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    Espécies invasoras podem não ser tão ruins para ambiente, diz autor de livro

    RICARDO BONALUME NETO
    DE SÃO PAULO

    03/02/2016 02h02

    Jim G
    Água-viva do mar negro: Espécie 'invasora' de San Francisco, Califórnia, ajudou a aumentar biodiversidade
    Água-viva do mar negro: Espécie 'invasora' de San Francisco, Califórnia, ajudou a aumentar biodiversidade

    A própria definição é ofensiva: a espécie é invasora. Pode ser uma planta ou um animal, oriundos de uma região e que colonizam um outro ecossistema, em detrimento das espécies ditas nativas.

    Em benefício próprio, as invasoras causariam desequilíbrio do ecossistema, que tenderia a ficar empobrecido. Espécies podem naturalmente colonizar novas regiões, mas foi a ação humana que multiplicou os casos de invasão de novos espaços.

    Pois agora o jornalista britânico especializado em meio ambiente Fred Pearce inverteu os sinais. O título do seu mais recente e polêmico livro diz tudo: "The New Wild: Why Invasive Species Will Be Nature's Salvation" (Beacon Press, sem edição no Brasil), ou por que as espécies invasoras serão a salvação da natureza.

    F Lamiot
    Mexilhão-zebra: O molusco nativo da Rússia invadiu rios e lagos nos EUA e ajudou a despoluir o lago Erie
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    "É comum se dizer que as espécies invasoras são a segunda maior ameaça à natureza, após a destruição do habitat. E por um longo tempo eu aceitei essa reivindicação", afirma Pearce. Mas quando ele começou a estudar o caso mais a fundo, descobriu que, ao contrário de outros problemas ambientais como o aquecimento global, faltavam provas sobre o lado "demoníaco" dos invasores.

    "Eu vi pouca evidência de que havia algo intrinsecamente ruim sobre as espécies invasoras. Suas desvantagens são muitas vezes irremediavelmente obra de sensacionalismo; e seus potenciais benefícios, como o aumento da biodiversidade local, quase nunca são investigados."

    Há casos claros de problemas sérios causados por espécies "alienígenas", notadamente no caso de ilhas, com ecossistemas originais. únicos e mais vulneráveis.
    A principal forma de acesso dos invasores é via marítima. Navios transportam essas espécies do lado de fora –como algas agarradas no casco– e por dentro –caso de ratos no porão.

    Steven Haw
    Tulipeira-do-gabão: Árvore nativa da África, em Porto Rico está ajudando a reflorestação da ilha em lugares desmatados
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    Os marinheiros também costumavam abandonar porcos e cabras em ilhas isoladas, para terem uma fonte adicional de alimento na próxima viagem. Estes animais dizimavam a flora e fauna locais; aves marinhas são particularmente vulneráveis.

    Uma campanha de extermínio de cabras nas ilhas Galápagos, um dos mais importantes ecossistemas do planeta e que influenciou o naturalista Charles Darwin a propor sua teoria da evolução, matou, entre 2006 e 2012, 80 mil destes animais.

    Mas Pearce dá bons argumentos em defesa de várias invasões. Por exemplo, a baía de San Francisco, Califórnia, costuma ser indicada como o local do planeta mais invadido por espécies alienígenas.

    Jerzy Opiola
    Plantas do gênero Tamarix Foram acusadas de consumirem muita água nos EUA, mas autor afirma que ajudam a impedir a desertificação
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    Com a corrida do ouro na região, navios chegavam de todos os cantos. Existem ali cerca de 300 espécies invasoras, que vão desde mexilhões russos a águas-vivas do Mar Negro, ou caranguejos do Atlântico e da China. Em vez de reduzir, invasores aumentaram a biodiversidade local.

    É comum que ambientalistas tenham uma noção romântica de uma natureza intocada pela ação humana. Mas o mundo não é mais assim –basta ver o impacto que a invenção da agricultura e da pecuária teve nos ecossistemas e nas espécies. A mandioca originária do Brasil é plantada hoje na África, o café africano é uma riqueza importante do Brasil.

    "Devemos celebrar o dinamismo e capacidade de adaptação da natureza muito mais do que fazemos", conclui ele.

    AEDES NÃO TRAZ BENEFÍCIOS

    O problema da chegada espécies "de fora" de um ecossistema é que não dá para ter certeza do que vai acontecer. A espécie pode, por fatores como temperatura e falta de abrigo, simplesmente não vingar. Ou, de repente, desprovida de predadores e com excesso de alimento, adaptar-se com maestria.

    É o caso do Aedes aegypti, o mosquito rajado que transmite as viroses dengue, chikungunya, febre amarela e zika. De origem africana, o inseto hoje habita uma região do globo onde há mais de 2,5 bilhões de pessoas, em áreas tropicais e subtropicais.

    Ao chegar de navio em portos de todo o mundo, o A. aegypti não teve problemas em se adaptar aos novos ambientes. Seus ovos, por exemplo, podem esperar por meses até que sejam hidratados e se transformem em larvas –e a água pode ter baixíssima quantidade de nutrientes.

    O sangue, material crucial para a reprodução do insetos, sempre pôde ser obtido em abundância de veias humanas. A vantagem principal da espécie é justamente a capacidade de se adaptar ao ambiente cada vez mais urbanizado –azar dos humanos e de seus rivais, que praticamente inexistem.

    Outro exemplo deletério são as pererecas E. johnstonei, naturais do Caribe e trazidas ao Brasil. Elas se alojaram no bairro do Brooklin, na zona sul da cidade de São Paulo e incomodam moradores com seus agudos assobios.

    O mexilhão-dourado é mais um invasor que mata peixes ao ser engolido e impede que outros moluscos se alimentem. Há risco de seu rastro de destruição chegar à Amazônia.

    Colaborou GABRIEL ALVES

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