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    Pesquisadores caçam de tudo na longínqua ilha da Trindade

    RICARDO BONALUME NETO
    ENVIADO ESPECIAL À ILHA DA TRINDADE

    19/09/2016 02h00

    Tem gente que caça pokémon com celular. Já a pesquisadora Nathália da Luz vai ficar dois meses na distante e diminuta ilha da Trindade caçando um bicho real bem mais interessante, e também dotado de muita variabilidade de formas: os ostracodes.

    Os bichos são crustáceos (como os camarões e lagostas), têm no máximo poucos milímetros e possuem anatomia variável, todos vivendo em ambientes aquáticos. Estima-se que existam mais de 65 mil espécies; eles são tão versáteis que vivem até na água de bromélias.

    Esses "minipokémon" do mar são úteis vivos ou mortos. Como microfósseis, são espetaculares indicadores de períodos geológicos e para o entendimento da ecologia do passado. Conseguem ser úteis tanto a geólogos, geógrafos, biólogos ou oceanógrafos. E são úteis até para a indústria petrolífera; suas assembleias –conjuntos de espécies e outros seres vivos associados– ajudam a descobrir jazidas de petróleo.

    Aluna de doutorado na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Nathália vai fazer coletas em torno de Trindade com ajuda de um bote da Marinha. A coleta é preservada em um dos dois laboratórios da Estação Científica da ilha, e depois levada para estudo na universidade.

    Ela e seu orientador, João Carlos Coimbra, descobriram recentemente uma nova espécie de ostracode no arquipélago de São Pedro e São Paulo que recebeu o apropriado nome de Xestoleberis brasilinsularis.

    Existem várias "brasilinsularis" –Fernando de Noronha, Abrolhos, São Pedro e São Paulo, Trindade e Martin Vaz. Essas ilhas oceânicas têm um grande valor econômico apenas pela sua localização, pois aumentam a zona econômica exclusiva do país no mar em torno de 200 milhas delas (cerca de 370 km).

    Por isso tem que ser ocupadas por brasileiros. Em alguns casos, como Trindade, por guarnições da Marinha, hoje com cerca de 30 homens.

    BASE DISTANTE

    Mas, para a ciência, essas ilhas são um achado ainda maior. São raros laboratórios a céu aberto. Nathália da Luz e dois outros pesquisadores que estão hoje na ilha podem fazer suas pesquisas porque as instalações que a permitem foram criadas pelo Protrindade – Programa de Pesquisas Científicas na Ilha da Trindade.

    "Havia uma grande demanda da comunidade científica para realização de pesquisas em Trindade", diz o capitão-de-fragata Sidnei da Costa Abrantes, gerente do Protrindade. Ao mesmo tempo, havia uma "ausência de infraestrutura". A criação do Protrindade em 2007, e, mais ainda, a inauguração da Estação Científica na ilha em 2011, com dois laboratórios e vaga para oito pesquisadores, deslanchou um boom na pesquisa. Já foram atendidos mais de 500 pesquisadores, diz o capitão-de-fragata.

    Lauro J. Calliari, da FURG (Universidade Federal do Rio Grande) está interessado nas praias e nas ondas. Ali existem riscos graves, como a chamada "onda camelo" que chega de repente e pode arrastar vítimas insuspeitas para o mar, ou esfolá-las em rochas. A onda, que lembra a corcova do animal, causou setes mortes desde 1963.

    A plataforma insular estreita –dez metros de profundidade a meros 500 metros da praia traz como consequência "a pouca dissipação da energia das ondas", segundo Calliari.

    Isso significa que as praias do Príncipe e da Calheta "apresentam um comportamento similar as praias continentais do sudeste-sul do Brasil", já riscos permanentes existem "nas rochas na zona de surf e face da praia, arrebentação mergulhante e aumento brusco de profundidade durante a maré alta", afirma a equipe de Calliari.

    Por sua vez, Franciane Pellizzari, da Unespar (Universidade Estadual do Paraná) foi monitorar algas, tentar entender como seu tamanho e sua composição química poderiam ser capazes de revelar compostos úteis para a indústria farmacêutica, e servir de indicadores de poluição do mar por metais pesados.

    O jornalista viajou a convite da Marinha do Brasil, a bordo do NDCC Almirante Saboia

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