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    Conservacionistas tentam convencer população a não caçar jacarés

    GABRIEL ALVES
    DE SÃO PAULO

    31/10/2016 02h00 - Atualizado às 13h42

    Leonardo Merçon/Projeto Caiman
    Jacaré-do-papo-amarelo, nativo da mata atlântica
    Jacaré-do-papo-amarelo, nativo da mata atlântica

    Os bichões podem passar dos dois metros de comprimento, comem de tudo um pouco (até uns aos outros) e, mais importante do que qualquer uma dessas coisas, são fundamentais para a conservação do que resta de seu habitat, a mata atlântica.

    Trata-se dos jacarés-de papo-amarelo. Com a degradação do ambiente natural (reduzido a cerca de um décimo da área original), assim como outras espécies, o réptil crocodiliano tem sua continuidade como espécie ameaçada e a caça é um dos motivos.

    É o que diz o médico veterinário Yhuri Nóbrega, do Projeto Caiman, sediado em Vitória, no Espírito Santo. "É uma questão difícil de abordar porque é cultural. Em qualquer atividade que fazemos ou palestras que proferimos, vemos que ou as pessoas já comeram carne de jacaré ou conhecem alguém que o fez", relata.

    "No interior da Bahia, especialmente próximo ao rio São Francisco, a carne é chamada de 'bacalhau de rio', pelo aspecto, por ser salgada para conservação e por causa do formato no qual é comercializada", explica o professor da USP Luciano Verdade, um dos maiores especialista em jacarés do país.

    No caso do Caiman latirostris (nome científico do jacaré de papo-amarelo), a questão é que a espécie gera interesse econômico, seja pelo couro ou pela carne.

    Em Rondônia, houve sucesso em uma iniciativa extrativista que remove machos das espécies jacaré-açu e jacaretinga do lago do Cuniã no período de seca, entre agosto e novembro, gerando lucro para a comunidade e controlando a população da espécie, que também ataca o homem.

    Dificilmente haveria uma iniciativa de sucesso do mesmo tipo com relação ao jacaré-de-papo-amarelo, afirma Nóbrega, por causa das diferenças no contexto social. No entorno do que restou de mata atlântica, quase não sobrou espaço para pequenas comunidades como aconteceu na Amazônia.

    A solução seria incentivar a criação em cativeiro dos bichos, o que pode ser bastante rentável –uma pele pode custar mais de R$ 4.000. Só falta convencer os caçadores.

    Além de pleitear mais fiscalização e punição para os caçadores, o trabalho que dá para fazer é o de conscientização ambiental, para ressaltar a importância da espécie para o bioma, avalia o veterinário.

    RÉPTIL À VISTA

    Não é difícil ver os animais fora do contexto natural. Há alguns anos um jacaré foi avistado tomando sol nas margens do rio Tietê. Verdade diz que não é raro encontrá-los em lagoas de decantação de esgoto, próximos a de criação de suínos ou de pastagens.

    "No pantanal acontece algo parecido, mas é por um processo natural. Durante a seca, a lagoa diminui, formando uma calda de bactérias que fica em contato com os bichos", diz o professor.

    Essa contaminação levanta lebre de que consumir a carne de jacaré de procedência desconhecida pode não ser uma boa ideia.

    Além do risco de contaminação por bactérias, há o risco de uma contaminação por metais pesados, que se acumulam em várias espécies no ecossistema, desde as algas até os últimos níveis tróficos –formados por grandes predadores, explica o especialista em répteis do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) Marcos Coutinho.

    No ambiente, o jacaré come insetos, moluscos, peixes, aves, mamíferos, outros répteis e até frutinhas. Tamanha versatilidade nutricional pode ter sido um fator determinante na resiliência do réptil, que periga avançar para uma situação de convívio próxima às cidades humanas, denominada sinantropismo.

    "É um bicho que consegue se virar. De algum modo ele lembra a capivara. As duas espécies tinham motivos de sobra para estarem em um estado de conservação pior que o atual, mas isso ainda não aconteceu. Vai depender se nossa capacidade de exploração é maior do que a de reprodução deles", diz Verdade.

    Como se trata de um bicho com uma história de mais de 200 milhões de anos no planeta, talvez o melhor plano seja realmente mantê-lo um pouco mais por aí. Vai que a gente aprende um truque ou outro de sobrevivência.

    Leonardo Merçon/Projeto Caiman
    Pesquisador do Projeto Caiman, do Instituto Marcos Daniel, segura jacaré no colo
    Pesquisador do Projeto Caiman, do Instituto Marcos Daniel, segura jacaré no colo

    COMPRA

    Dependendo de onde a pessoa estiver, quem quiser adotar um jacaré como pet pode ter dificuldades. Isso porque desde 2011 a legislação que regula a produção e comercialização de animais silvestres está nas mãos dos Estados. Na prática, em cada uma das unidades da federação pode haver uma norma distinta, com espécies sujeitas a restrições diferentes dependendo do local.

    "Os Estados não estavam preparados para essa gestão e ainda vai demorar um tempo para haver uma capacidade técnica de fiscalização totalmente implementada", afirma Marcos Coutinho, do ICMBio.

    Para uma boa gestão dos recursos faunísticos o que falta é fomento, diz Coutinho. "Vimos até hoje só iniciativas de fiscalização e controle. Não houve investimento em pesquisa, em capacidade técnica ou em boas práticas de conservação".

    Enquanto isso, os entusiastas dos bichos fazem alguns malabarismos para conseguir serpentes, lagartos e até jacarés, relata Thomaz Girotto, do canal Bicho Paulistano do Youtube.

    Uma estratégia usada para conseguir jacarés é comprá-los direto do criador, como se fosse para o consumo de carne. "Vem com nota fiscal, código de identificação, origem e data de nascimento", diz.

    Outra possibilidade é ir para o Estado vizinho do Paraná, comprar um lagarto por lá e voltar para São Paulo. Entre os répteis mais fáceis de se obter são tartarugas (como o tigre d'água), serpentes (como algumas jiboias ) e lagartos, como o teiú.

    Não se pode esquecer de que o réptil cresce bastante e que seu terrário precisa de uma atenção especial quanto ao tamanho, controle da umidade e fonte de calor, lembra Girotto.

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