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    Citada por Trump em saída de acordo, Pittsburgh rejeita passado poluidor

    ISABEL FLECK
    ENVIADA ESPECIAL A PITTSBURGH (EUA)

    04/06/2017 02h00

    A duas quadras da Torre de Aço, construída na época áurea da siderurgia em Pittsburgh e que se transformou junto com a cidade, cerca de 500 manifestantes se reuniram no sábado (3) para dizer que apoiam o Acordo de Paris, do qual Donald Trump acaba de tirar os EUA.

    Na quinta (1º), o presidente justificou a decisão de abandonar o compromisso de manter o aquecimento global em menos de 2°C (na comparação com a era pré-industrial) dizendo representar "os eleitores de Pittsburgh, não os de Paris".

    Para a educadora Jane S., que carregava um cartaz "Você não conhece Pittsburgh", o presidente não entendeu que a "Cidade do Aço" mudou, ao citá-la como símbolo. "Ao nos invocar, ele fala de uma realidade que ficou nos anos 70."

    Naquela época, um em cada três trabalhadores de Pittsburgh estava na indústria manufatureira -e a torre, que ainda é o edifício mais alto da cidade, com 256 metros de altura, marcava o auge da siderúrgica United States Steel.

    Agora, o arranha-céu ostenta, nos seus três lados, o letreiro do Centro Médico da Universidade de Pittsburgh, que se tornou o maior empregador da cidade e ocupa os cinco últimos andares do prédio.

    Mas é em locais como a Bakery Square que a renovação de Pittsburgh fica ainda mais evidente. Na praça, está a sede do Google -que, ao se instalar no prédio de uma antiga fábrica de biscoitos, atraiu outras empresas de tecnologia para a região.

    Hoje, o bairro de East Liberty, com seus cafés e bares descolados e mesa de pingue-pongue na calçada, representa a parcela da população que não vê a questão ambiental dissociada do crescimento.

    "Fiquei furiosa. Ele não sabe nada sobre a cidade e seus moradores. O Acordo de Paris levou anos para ser desenhado e não queremos sair dele", afirmou Marie Noman, 52, funcionária pública.

    Na mesma hora, em Washington, cerca de 50 apoiadores de Trump levantavam placas com os dizeres "Pittsburgh, não Paris" em frente à Casa Branca.

    Segundo dados oficiais de março, 21% dos trabalhadores de Pittsburgh atuam nas áreas de saúde e educação. Do 1,16 milhão de cidadãos empregados, apenas 83 mil (7%) trabalham com manufatura e 8.000 (0,7%) em minas de carvão ou exploração de madeira.

    A United States Steel, com sede em Pittsburgh, não está nem mais entre os dez maiores empregadores privados da cidade. A mudança na atividade econômica se refletiu na qualidade do ar. Um estudo da Carnegie Mellon University mostra que as emissões de gás carbônico pela queima de combustíveis fósseis caíram 30% entre 1970 até 2000 no condado de Allegheny, onde fica Pittsburgh.

    Segundo dados do governo da Pensilvânia, a redução de emissões de gases-estufa segue caindo nos últimos anos -22%, no caso do óxido nitroso, entre 2013 e 2015. A oposição à decisão de Trump veio, inclusive, do maior sindicato do país de trabalhadores de siderúrgicas e de minas, a United Steelworkers (USW), com sede em Pittsburgh.

    "Os americanos não precisam escolher entre bons empregos e meio ambiente limpo. A USW sempre acreditou que os EUA podem ter os dois", disse o presidente do sindicato, Leo Gerard.

    REGIÃO METROPOLITANA

    Para o historiador Allen Dieterich-Ward, autor do livro "Beyond Rust: Metropolitan Pittsburgh and the Fate of Industrial America" (Além da ferrugem: região metropolitana de Pittsburgh e o destino da América industrial), Trump não falou sobre a cidade do século passado e nem para os eleitores de East Liberty.

    "Ele está falando para a Pittsburgh de hoje, mas para a região metropolitana. São pessoas que vivem ao redor da cidade, que têm a visão nostálgica dos bons empregos nas fábricas dos anos 70", diz o historiador, que é filho e sobrinho de mineiros.

    O centro de Pittsburgh é realmente uma ilha no oeste do Estado, região que é parte do decadente Cinturão da Ferrugem. Enquanto o desemprego de Pittsburgh é de 5%, pouco acima do índice nacional (4,3%), em outras partes da região metropolitana, como o condado de Fayette, ele chega a 8%.

    Neste último, Trump venceu a eleição de 2016 com 65% dos votos -a vitória foi de mais de 60% em cinco dos seis condados que cercam Allegheny, onde fica Pittsburgh. Nele, Hillary derrotou o republicano com 56%.

    IMPULSO POLÍTICO

    Quem aproveitou politicamente o momento foi o prefeito de Pittsburgh, o democrata Bill Peduto, que antes mesmo de o discurso de Trump terminar, já havia escrito nas redes sociais que a cidade manteria as metas assumidas no compromisso dos EUA no Acordo de Paris.

    No dia seguinte, ele assinou um decreto afirmando que a cidade ajudará na meta de aquecimento de apenas 1,5°C. No sábado, ele discursou na manifestação contra a saída do acordo, em que os cartazes contra Trump se misturavam aos que já promovem sua candidatura à reeleição em 2018.

    "Nos últimos 30 anos, não estamos mais produzindo grandes quantidades de aço, mas grandes ideias", disse Peduto, sendo ovacionado pelo público. "Essa aqui é a verdadeira Pittsburgh, senhor presidente."

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