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Ambiente
Thursday, 21-Nov-2024 13:25:04 -03Levantamento inédito mostra as aves ameaçadas 'escondidas' na Cantareira
REINALDO JOSÉ LOPES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA27/07/2017 02h00
Do lado do tráfego interminável do Rodoanel, a poucos quilômetros da massa urbana de São Paulo, mais de 300 espécies de aves, entre as quais sete ameaçadas globalmente de extinção, vivem nas matas da serra da Cantareira, revela o levantamento ornitológico mais completo já feito na região.
Desses bichos, 80 são exclusivos da mata atlântica, como o barbudinho (Phylloscartes eximius), espécie sob risco de desaparecer cujo último reduto no Estado de São Paulo é justamente a Cantareira. Outras, normalmente alvo de caçadores que gostam de mandá-las para a panela e, portanto, cada vez mais raras, encontraram abrigo na selva urbana, graças à presença do Parque Estadual Serra da Cantareira.
"É quase paradoxal encontrar ali na Pedra Grande, observando São Paulo ao fundo, espécies como o macuco e o jacu-açu, cujas populações diminuíram muito por causa da incessante caça e perda de habitat e hoje podem ser vistas em poucas localidades na mata atlântica", diz Luís Fábio Silveira, do Museu de Zoologia da USP.
Silveira, que é um dos autores do novo levantamento, obteve seu recorde pessoal de observação de aves na própria serra, aliás: 114 espécies em apenas três horas de trabalho de campo.
O estudo, que saiu recentemente na revista científica "Zoologia", combinou dados obtidos pelos próprios autores (quase 250 espécies flagradas por eles), com dados de museus (71 espécies) e de observadores amadores (270 espécies; os números não são simplesmente somados porque, é claro, há considerável sobreposição de espécies entre as diferentes fontes de informação).
Os números são comparáveis aos de outras áreas preservadas de mata atlântica mais úmida e fechada –com a diferença de que essas regiões não estão perto de megalópoles como a Cantareira.
De maneira geral, o trabalho indica a presença de uma fauna de aves bastante saudável na Cantareira, hoje considerada a maior floresta tropical urbana do planeta (com mais de 10 mil hectares, a área engloba ainda o Parque Estadual Alberto Löfgren, ou Horto Florestal, e alguns trechos adjacentes). Não por acaso, alguns observadores de aves costumam visitar a região apenas pela oportunidade de ver o esquivo barbudinho, conta o primeiro autor do trabalho, Vinicius Rodrigues Tonetti, biólogo da Unesp de Rio Claro.
Em seu trabalho de mestrado, orientado por Marco Pizo, Tonetti descreveu pela primeira vez o ovo e o ninho do barbudinho e constatou que, além de ser raro, o bicho prefere matas perto de rios e lagos para se instalar.
"A implicação disso é que, para conservar a espécie, é necessário proteger esse tipo de mata, o que teria, inclusive, consequências positivas para o abastecimento dos reservatórios do sistema Cantareira", argumenta o pesquisador –de fato, o abastecimento das nascentes melhora muito em áreas florestadas.
Por outro lado, nove espécies que historicamente apareciam na região não são vistas por lá há pelo menos duas décadas. "As que não ocorrem mais ou que ocorrem em densidades muito baixas em sua maioria são sensíveis a alterações de habitat", diz Tonetti.
O exemplo mais pungente talvez seja a pararu-espelho (Claravis geoffroyi), pomba exclusiva da mata atlântica, hoje uma das aves mais raras do mundo, que ainda podia ser encontrada em bandos de centenas de indivíduos nos anos 1950. O exemplar registrado na região foi capturado em 1937.
Outras espécies que se tornaram raras, mas ainda aparecem por lá, são o araçari-banana (Pteroglossus bailloni), o araçari-poca (Selenidera maculirostris; os dois araçaris são tucanos de médio porte) e o cuiú-cuiú (Pionopsitta pileata), parente dos papagaios e maritacas. O trio é importante por dispersar sementes e, assim, manter a regeneração da mata.
CARGA PESADA
Considerando a riqueza da fauna de aves da serra, os pesquisadores, no estudo, sugerem que seria importante incorporar áreas adjacentes de mata ao trecho formalmente protegido pelo parque, como forma de mitigar possíveis impactos da ampliação do Rodoanel, quando ela for concluída. Ainda falta estudar o impacto que as partes do anel rodoviário já em funcionamento tiveram sobre as espécies do local, porém.
"Há diversos estudos que mostram que rodovias próximas a grandes remanescentes de vegetação nativa causam grande impacto à biodiversidade como um todo", explica Tonetti. "O ruído intenso dificulta a comunicação de aves e anfíbios, além de causar estresse nos animais e aumento de atropelamentos."
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