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    França quer 'bolsa de valores' verde para atenuar prejuízo climático

    ANA CAROLINA AMARAL
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    13/12/2017 02h00

    Ludovic Marin/Reuters
    O presidente francês, Emmanuel Macron
    O presidente francês, Emmanuel Macron

    O presidente da França, Emmanuel Macron, promoveu nesta terça-feira (12) uma cúpula para celebrar os dois anos da assinatura do Acordo de Paris e colocar o dedo na ferida da discussão mais desafiadora sobre o clima: como financiar a transição para uma economia de baixo carbono, mais verde.

    Com a presença de chefes de Estado da Europa e da África próximos à diplomacia francesa, um membro do alto escalão do governo chinês, além de personalidades e uma delegação americana com figuras como Arnold Schwarzenegger, o atual governador da Califórnia Jerry Brown e o ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg, o evento apostou em uma mensagem política que desafia a posição americana de abandonar o Acordo de Paris e coloca a França como protagonista das questões climáticas.

    (No entanto, a ausência da chanceler alemã Angela Merkel, vista como parceira no protagonismo climático, foi estranhada pelos presentes.)

    Entre as dezenas de anúncios empolgantes, porém pouco explícitos, estão fundos de adaptação ao clima e de compensação por desastres climáticos regionais, investimentos em tecnologias e negócios de baixo carbono.

    Um anúncio do Banco Mundial empolgou analistas por sua concretude: a organização se comprometeu a atribuir um preço (taxa) de US$ 40 por tonelada de carbono emitida nas atividades que financia.

    A medida, conhecida como precificação de carbono, visa desencorajar economicamente as emissões das atividades econômicas. Porém, a solução é vista como polêmica por encarecer economias dependentes de fontes fósseis.

    PRECIFICAÇÃO POSITIVA

    Como alternativa à taxação, o governo francês está considerando a "precificação positiva" de carbono, que incentiva as atividades que reduzem as emissões de carbono ou o capturam, como negócios do setor florestal e de energias renováveis.

    Há um mês, a presidência francesa encomendou um estudo a um grupo de renomados economistas (entre eles o Jean Charles Hourcade e Dispak Dasgupta), conselheiro do Fundo Verde do Clima.

    O grupo deve entregar no primeiro semestre de 2018 uma proposta para alavancar a precificação positiva.

    A reportagem da Folha teve acesso à primeira versão da proposta, que reúne argumentos e recomendações para alavancar um mercado de incentivos à economia de baixo carbono.

    A proposta atribui valor financeiro à redução de emissões, criando para isso Certificados de Redução de Emissões, que valeriam como uma nova moeda, podendo ser negociados no mercado de ações.

    Para funcionar, a nova moeda dependeria de um "fundo garantidor" estatal, uma espécie de fiador que daria credibilidade ao novo mercado.

    Entusiastas da precificação positiva se reuniram durante a cúpula de Macron e criaram a Aliança 108, em alusão ao artigo 108 do Acordo de Paris, que "reconhece o valor social e econômico das reduções de emissão de carbono".

    Um dos membros da aliança é o secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, Alfredo Sirkis. Para ele, a vantagem da precificação positiva é atuar como um incentivo em vez de uma punição. "Taxar a emissão de carbono é usar um chicote, mas também precisamos dar a cenoura, para encorajar a redução de emissões", compara.

    Uma vez criados, os títulos de redução de emissões devem valorizar, na avaliação de Sirkis, pois têm valor intrínseco. "A redução de emissões é imperativa para evitarmos uma catástrofe global, com prejuízos da ordem de trilhões", enfatiza.

    "Ousada e radical, a proposta tem uma execução complicada", avalia o economista da USP, José Eli da Veiga. Ele alerta que a solução só funcionaria através de um acordo global –"no mínimo, entre os países do G-20", diz.

    Como cria uma nova moeda ao atrelar valor financeiro às reduções de emissões de carbono, a proposta aventada pelo grupo ligado a Emmanuel Macron "dependeria de um acerto entre os Bancos Centrais dos países e aí a discussão precisa chegar no nível do Fundo Monetário Internacional, que é a instituição que dialoga com esses bancos", avalia o José Eli da Veiga, professor da USP.

    Para resolver esse desafio, a primeira proposta enviada ao governo de Macron pela Aliança 108 sugere um "Clube das Finanças Climáticas", reunindo os atores globais dispostos a investir no incentivo da precificação positiva.

    O clube seria uma forma de alavancar as finanças climáticas –emperradas nas negociações diplomáticas da ONU.

    Ainda no encontro dessa terça, Macron anunciou uma articulação entre fundos soberanos de países europeus e também entre 23 bancos de desenvolvimento para alavancar recursos para financiamento climático. Para Sirkis, os dois anúncios dão pistas de que há disposição para reunir instituições financeiras em um clube global.

    BRASIL

    Os representantes brasileiros que atenderam ao evento em Paris já se manifestaram a favor da precificação positiva. O ministro do Meio Ambiente Sarney Filho discursou no encontro e defendeu o incentivo.

    Reconhecido nas Conferências do Clima como potência verde –pela cobertura florestal e pelo potencial no uso de energia limpa–, o Brasil é visto como um potencial beneficiário da "precificação positiva". O país, no entanto, aumentou suas emissões de carbono nos últimos anos, com alta do desmatamento e maior participação de fontes fósseis na matriz energética.

    A cúpula chamada por Macron também foi vista por atores internacionais como um complemento necessário à COP do Clima, da ONU.

    Para Eli da Veiga, Macron acerta ao trazer as finanças para o centro do debate. Na avaliação de Sirkis, "a COP precisa manter aquele tom sóbrio típico da diplomacia, enquanto Macron puxou um tom mais político e urgente" –o presidente francês abriu o encontro anunciando que "estamos perdendo a corrida contra as mudanças climáticas".

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