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    Cúpula do G20 começa sob sombra de ataques em Paris

    THIAGO GUIMARÃES
    ENVIADO ESPECIAL DA BBC BRASIL A ANTÁLIA (TURQUIA)

    15/11/2015 08h00

    A tensão global desencadeada pelos ataques em Paris deverá mudar toda a dinâmica da cúpula dos líderes do G20, que começa neste domingo em Antália, na costa turca do Mediterrâneo.

    O combate ao extremismo já estava na pauta do encontro entre as 20 principais nações industrializadas e em desenvolvimento, mas agora ganha protagonismo nas conversas.

    O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, deu o tom da mudança neste sábado, já na sede da cúpula, ao convocar um "consenso da comunidade internacional contra o terrorismo".
    "Como um país que conhece muito bem os modos e as consequências do terrorismo, entendemos perfeitamente o sofrimento que a França experimenta agora", afirmou Erdogan.

    A Turquia enfrenta uma escalada da violência desde um atentado suicida em julho, perto da fronteira com a Síria, com um saldo de mais de 30 mortos. Suspeita-se da ação do grupo autodenominado "Estado Islâmico", que assumiu a autoria dos ataques na França.

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    No mês passado, duas explosões mataram mais de cem pessoas na capital turca, Ancara, em outro atentado ligado ao EI.

    Mesmo antes dos ataques na França, a Turquia já havia montado um forte esquema de segurança para a cúpula, que incluiu a prisão na semana passada de dez supostos integrantes do 'Estado Islâmico'.

    Boa parte do centro de Antália e de toda a cidade vizinha de Belek, onde ficam os resorts que abrigarão o evento, está fechada para circulação comum - passam apenas delegações, imprensa e organização.
    O G20 é um fórum econômico, mas tradicionalmente aproveita a reunião dos líderes mundiais para tratar de conjuntura política. Por iniciativa da Turquia, presidente de turno do grupo, o combate ao extremismo e a crise dos refugiados estavam na pauta da discussão entre os chefes de Estado e governo - e agora crescem em relevância.

    Os ataques de Paris não alteraram os planos dos líderes, que deverão manter dois dias de sessões de trabalho e conversas até segunda-feira. O único a cancelar sua participação até o momento foi o presidente francês, François Hollande. A presidente Dilma Rousseff chegou a Antália neste sábado.
    Brasil no G20

    Falando em economia, o Brasil que chega neste domingo à Turquia para a décima reunião dos líderes do G20 é muito diferente daquele do primeiro encontro, de 2008.

    Naquela cúpula em Washington, chefes de Estado e governo de 90% do PIB mundial tentavam uma resposta de emergência ao estouro de uma crise financeira aguda nos países ricos.

    O Brasil, por outro lado, vivia o auge da euforia dos anos Lula (2003-2010): grau de investimento havia sido obtido naquele ano, o PIB subia a 5,2%, o real se valorizava e a venda de commodities era embalada pelo apetite chinês.

    Lula chegou a dizer na ocasião que a melhor solução para evitar o desastre global era "os países ricos resolverem seus problemas".

    Sete anos depois, o Brasil é parte do problema do G20. Ao lado da Rússia, é o único membro em recessão. Tem grau de investimento ameaçado, moeda caindo, minérios e produtos agrícolas em baixa diante da desaceleração da demanda mundial, sobretudo da China.

    Tudo isso não ajuda a esquentar uma economia global que já anda morna, seja pela recuperação lenta no mundo desenvolvido, pela aumento da dívida dos emergentes ou pelas guerras que cobram preço humano alto, como na Síria, Iraque e Afeganistão. O Banco Mundial prevê crescimento modesto do PIB global neste ano, de 2,8%.

    Diante desse cenário instável, a presidente Dilma Rousseff e sua comitiva desembarcaram em Antália para dois dias de reuniões ampliadas e bilaterais, sessões de trabalho sobre temas diversos e um jantar de líderes no domingo.

    O cardápio político da conversa dos chefes de Estado e governo ganhou peso, e dividirá holofotes com a economia durante o encontro, por onde deverão circular 13 mil pessoas, entre diplomatas e lideranças empresariais, sindicais e da sociedade civil.

    "Gerar crescimento sustentável e balanceado estará no centro da agenda dos líderes do G20. Isso pela desaceleração no crescimento e no comércio mundiais, a recessão no Brasil e na Rússia e pela retomada lenta nos países avançados do G7", diz John Kirton, diretor do G20 Research Group da Universidade de Toronto, no Canadá, um dos principais centros de referência sobre o clube das maiores economias globais.

    O local da cúpula não facilita a vida de manifestantes, daí a expectativa de poucos protestos. O acesso a 10 km de costa na cidade vizinha de Belek foi fechado para o evento - a região tem cerca de 50 resorts e 15 campos de golfe de 18 buracos.

    No hotel em que a presidente ficará, o recém-inaugurado Maxx Royal, há casas privativas de até 630 m² e 108 hectares para golfe. Os ministros Joaquim Levy (Fazenda) e Mauro Vieira (Relações Exteriores) acompanham Dilma na viagem.

    Leia também: Três atentados em um mês: qual a força atual do 'Estado Islâmico'?

    BRASIL QUASE NA LANTERNA

    O comunicado final da cúpula, ainda em negociação, deverá reforçar compromissos assumidos no encontro de 2014, na Austrália, para elevar o crescimento global em 2,1 pontos percentuais, ou cerca de US$ 2 trilhões, até 2018, em relação a um cenário sem as medidas.

    Para Kirton, os membros do G20 não estão monitorando esses compromissos com a transparência necessária. "A postura foi decepcionantemente opaca", afirmou.

    Na análise que o grupo de pesquisa canadense faz todo ano dos avanços do G20, o foro avançou em 71% dos 205 compromissos assumidos na Austrália, medida que confirma a tendência de queda desde o pico de 78% na cúpula do México, de 2012.

    O Brasil ficou perto da "zona de rebaixamento" da análise, em 15º lugar no índice de compromissos assumidos (estimados em 56%), à frente apenas de Argentina, Turquia, África do Sul e Arábia Saudita. As nações "mais aplicadas" foram Reino Unido e Estados Unidos, com 88%.

    Os temas que tiveram menor índice de cumprimento são também alguns dos mais polêmicos, como mudança climática e remessas internacionais (ambos com 55%), estratégias fiscais (53%) e subsídios a combustíveis fósseis (28%) - o que sugere dificuldades para a Conferência Climática de Paris, a COP-21, que começa no fim do mês e também deverá estar na pauta dos líderes.

    Preocupado com a queda no preço das commodities, o Brasil pediu que o comunicado do encontro assuma o compromisso de não elevação dos subsídios agrícolas, mas não espera muito da demanda - a União Europeia já sinalizou que isso é assunto para a próxima reunião ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio), no próximo mês.

    "Não temos expectativa de grande resultado, mas é importante propormos esse assunto", disse o embaixador Carlos Márcio Cozendey, principal emissário do Brasil no G20. "Se os subsídios forem aumentados em resposta à queda dos preços, a queda será ainda maior e isso terá efeito ruim para os países mais pobres."

    Outra contribuição do Brasil à cúpula será na área de combate à corrupção. O país ficou incumbido, ao lado da Itália, de apresentar princípios de promoção de integridade em compras públicas, com sugestões em áreas como redução da burocracia e transparência.

    Espera-se ainda que os líderes se comprometam a evitar uma guerra cambial, comunicando de forma "calibrada" eventuais ações para enfrentar o "novo normal" de crescimento moderado chinês e a perspectiva de elevação dos juros nos EUA.

    Em emprego, deverá ser fechada uma promessa coletiva de reduzir em 15%, até 2025, o desemprego entre jovens "nem-nem" (que não trabalham e nem estudam). No mesmo período, o G20 quer cumprir meta anterior de reduzir em 25% o hiato da participação feminina no mercado de trabalho.

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    BRICS: DE LOCOMOTIVA A PREOCUPAÇÃO

    Como já é tradição nas cúpulas do G20, os líderes dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) aproveitarão o ensejo para um encontro, que na Turquia será na manhã do domingo, antes da abertura oficial do evento. O grupo que já foi a locomotiva do G20 agora motiva alertas pela desaceleração na China e pela recessão no Brasil e na Rússia.
    Image copyright G20 Research Group Image caption John Kirton, do G20 Research Group: 'Problemas básicos do Brasil são a desaceleração da China, no front externo, e corrupção, no interno'

    O setor privado brasileiro chega ao encontro com pauta focada em quatro temas: ratificação do acordo de facilitação do comércio na OMC, estratégias de infraestrutura para enfrentar a escassez interna de crédito e acesso de pequenas e médias empresas ao financiamento.

    "Dois temas hoje unem a comunidade internacional de negócios: infraestrutura e acordo de facilitação de comércio", disse José Augusto Fernandes, diretor da Confederação Nacional da Indústria, que coordena a participação do empresariado brasileiro no G20.

    De modo geral, o G20 lida hoje com os desafios de ter ampliado sua pauta, o que impõe mais dificuldades para atingir consensos.

    "A partir de 2010, em Seul, começaram a surgir desavenças no grupo, que vêm sendo contornadas. Mas à medida que novos temas surgem na agenda, dilui-se a grande eficácia que o foro teve no começo, e mais leituras conflitantes vão surgindo", conclui o diplomara Diogo Coelho, autor de Mundo em Crise (editora UnB), sobre a crise financeira de 2008 e seus impactos.

    Para que serve o G-20?

    O G20 surgiu em 1999, para apagar o incêndio da crise asiática. Funcionava apenas com ministros da Fazenda, mas virou reunião de líderes em 2008 pela necessidade de redesenhar o sistema financeiro global. Conseguiu evitar o colapso com injeções bilionárias de recursos - que cobram hoje o preço em déficits, dívidas crescentes e baixo crescimento.

    Os países do G20, além do Brasil: África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Canadá, China, Coréia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia, Turquia e União Europeia.

    Como não é uma organização como FMI (Fundo Monetário Internacional) e Banco Mundial, o G20 não tem secretariado nem recursos próprios. Seus acordos também não são vinculantes, ou seja, servem mais como compromissos morais do que obrigações aos países.

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