• BBC

    Monday, 29-Apr-2024 21:50:45 -03

    'Um líder deve ter tolerância zero com violência contra mulher', diz ONU

    MARIANA SCHREIBER
    DA BBC BRASIL

    20/11/2015 08h35

    UN Women Bruno Spada
    Representante da ONU critica prefeito Eduardo Paes por apoiar sucessor acusado de cometer violência contra esposa
    Representante critica Eduardo Paes por apoiar sucessor acusado de cometer violência contra esposa

    "Todos os líderes devem ter tolerância zero com a violência contra a mulher", disse nesta quinta-feira (19) a diretora-executiva da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka.

    Foi a resposta dela ao ser questionada sobre o que diria ao prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, que indicou como candidato a sucedê-lo um homem acusado de ter agredido sua ex-mulher em mais de uma ocasião.

    O atual secretário de Governo do Rio e pré-candidato à prefeitura, Pedro Paulo Carvalho, reconheceu ter batido em sua mulher em 2010, mas disse primeiramente que isso havia sido um caso isolado e que ambos haviam se agredido.

    O boletim de ocorrência registrado na época por sua então esposa, Alexandra Mendes Marcondes, registra que ele chegou a quebrar um de seus dentes. Depois, a imprensa brasileira revelou um outro episódio em que Pedro Paulo agrediu a mulher em 2008. Paes tem dito que isso é uma "questão da vida privada" do pré-candidato e que ele seria a melhor pessoa para governar o Rio.

    Agencia Brasil
    Pedro Paulo Carvalho será o candidato de Eduardo Paes à prefeitura em 2016
    Pedro Paulo Carvalho será o candidato de Eduardo Paes à prefeitura em 2016

    "Se líderes são tolerantes com a violência contra a mulher, isso manda uma mensagem muito ruim para a sociedade. Um dos importantes ingredientes no sucesso da queda da violência contra as mulheres é uma liderança forte, que não envie mensagens dúbias, que tenha tolerância zero", disse Mlambo-Ngcuka, sucessora da atual presidente do Chile, Michelle Bachelet, na diretoria da ONU Mulheres.

    Ela é sul-africana e foi vice-presidente de seu país entre 2005 e 2008. Também atuou no governo de Nelson Mandela (1994-1999), como vice-ministra de Comércio e Indústria. Mlambo-Ngcuka veio ao Brasil para uma visita de dois dias e na quinta-feira participou da Marcha das Mulheres Negras, que reuniu 15 mil manifestantes em Brasília.

    Sua visita busca dar visibilidade para a campanha da ONU "16 dias de ativismo contra a violência de gênero", que começa oficialmente em 25 de novembro (Dia Mundial para Erradicação da Violência contra a Mulher) e termina em 10 de dezembro (Dia Mundial dos Direitos Humanos).

    Mlambo-Ngcuka também criticou a proposta do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de modificar as regras de aborto legal no país. Ele apresentou um projeto de lei buscando tornar obrigatório que grávidas vítimas de estupro façam uma queixa na delegacia e se submetam a um exame de corpo de delito para que comprovem terem sofrido abuso sexual, antes de ter o aborto autorizado.

    "Isso é uma violação dos direitos das mulheres. E, se não há serviços legais que sejam seguros, você empurra para que isso aconteça clandestinamente. E (assim) você está colocando a vida das mulheres em risco", afirmou.

    Confirma abaixo a entrevista.

    Agencia Brasil
    Marcha das Mulheres Negras aconteceu na quarta-feira em Brasília
    Marcha das Mulheres Negras aconteceu na quarta-feira em Brasília

    *

    BBC Brasil - O assassinato de mulheres negras no Brasil cresceu 54% entre 2003 e 2013. As mulheres negras recebem os menores salários no país. Como foi participar da marcha em Brasília?
    Phumzile Mlambo-Ngcuka - Eu estou muito orgulhosa das mulheres que organizam esse tipo de marcha, porque isso torna os problemas visíveis e garante a mobilização de mais mulheres para apoiar umas as outras. É também importante porque neste ano começa a Década dos Afrodescendentes (promovida pela ONU sob o lema "reconhecimento, justiça e desenvolvimento").
    Isso significa que as mulheres estão começando a desenvolver suas próprias estruturas para que possam fazer suas demandas - e fazerem unidas. É muito importante que estejam unidas, pois isso torna sua voz mais alta e mais forte do que se estivessem falando sozinhas. Então, foi um excelente movimento.

    No próximo ano o Brasil realiza eleições municipais. O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, está apoiando um candidato acusado de agredir sua ex-mulher em mais de uma ocasião, quando eram casados. Em resposta às críticas, Paes disse que isso é uma questão da vida privada de Pedro Paulo, seu candidato, e que ele é a melhor pessoa para sucedê-lo. O que a senhora teria a dizer a Paes?
    Todos os líderes devem ter zero tolerância com a violência contra a mulher. Se líderes são tolerantes com a violência contra a mulher, isso manda uma mensagem muito ruim para a sociedade.
    Um dos importantes ingredientes no sucesso da queda da violência contra as mulheres é uma liderança forte, que não envie mensagens dúbias, que tenha tolerância zero. Isso é muito importante. Você não consegue ter as duas coisas (tolerância e redução da violência).

    Grupos conservadores no Brasil se opõem à discussão de questões de gênero nas escolas do país. Qual o papel da educação no combate a violência de gênero?
    Educação tem que fazer parte disso, porque educação é parte do problema. Parte da razão porque temos tanta violência contra as mulheres e desigualdade (de gênero) é porque às vezes temos professores que são sexistas, que abusam dos seus próprios alunos. E o sistema educacional não educa as crianças, tanto meninos como meninas, para valorizar a igualdade. A educação tem que ser parte da solução.

    Agencia Brasil
    Diretora da ONU Mulheres com a presidente Dilma Rousseff
    Diretora da ONU Mulheres com a presidente Dilma Rousseff

    Outra questão polêmica no país é a proposta do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, para modificar as regras de aborto no país em casos de gravidez resultante de estupro. Se a lei for aprovada, vai na prática dificultar o aborto nesses casos.
    Isso é uma violação dos direitos das mulheres. E, se não há serviços legais que sejam seguros, você empurra para que isso aconteça clandestinamente, no subterrâneo. E quando isso ocorre você está colocando a vida das mulheres em risco, você está aumentando as violações contra mulheres.
    Então, de novo, é uma contradição para pessoas que são representantes públicos, eleitos para garantir um bom ambiente legal, criar situações que vão negar às mulheres seus próprios direitos. Definitivamente, não é a coisa certa a se fazer.

    Cunha justifica essa proposta dizendo que o aborto é interesse de países supercapitalistas, que promovem esse procedimento nos países em desenvolvimento para diminuir o crescimento populacional no mundo. Qual sua avaliação sobre essa tese?
    Não, por favor, acho que isso nem merece ser respondido. Isso é totalmente errado.

    Há uma campanha importante acontecendo no país em que mulheres compartilham nas redes sociais casos de assédio usando a hashtag #PrimeiroAssédio. Qual a importância de compartilhar publicamente casos de abuso?
    Excelente campanha, eu gosto disso. É importante compartilhar (essas histórias) porque você gera informação; você fornece, especialmente na mídia, oportunidade para pessoas (revelarem casos de abuso), que de outra forma teriam medo de relatar suas histórias, permitindo que as autoridades se deem conta de quão grande é o problema.
    Porque algumas pessoas jamais iriam reportar (oficialmente), mas compartilham nas redes sociais. E estão também aproveitando todo o potencial de um tipo de mídia que muitas pessoas jovens usam. Para os jovens isso é muito importante.

    Há outra campanha no Brasil contra o hábito de homens dizerem coisas constrangedoras para mulheres em espaços públicos, o que é visto como uma "cantada" (a "Chega de fiu-fiu"). Mas algumas pessoas criticam essa campanha dizendo que isso não é um problema sério e que devíamos estar preocupados com coisas mais graves, como o assassinato de mulheres.
    Isso é um problema grave porque essas pessoas que fazem essas coisas em espaço público, se nada acontece com elas, saem ilesas e evoluem para a próxima forma de assédio, até fazerem coisas piores e piores.
    E por quê? Eles fazem isso porque eles podem, porque não há consequências. E mulheres merecem sua privacidade em locais públicos. Nós temos um programa na ONU Mulheres chamado "Cidades Seguras". E parte do que estamos fazendo é tornar lugares públicos mais seguros para que mulheres possam ter uma vida livre de assédio.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024