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    Para críticos de institutos de pesquisa, ano de 2016 foi um prato cheio

    MAURO PAULINO
    DIRETOR-GERAL DO DATAFOLHA
    ALESSANDRO JANONI
    DIRETOR DE PESQUISAS DO DATAFOLHA

    18/12/2016 02h00

    Chip Somodevilla/AFP
    Hillary Clinton e Donald Trump, nos EUA
    Hillary Clinton e Donald Trump, vencedor das eleições no EUA

    Não seria surpresa o surgimento, nos próximos dias, de um novo projeto no Congresso Nacional com o propósito de proibir ou limitar a divulgação de pesquisas eleitorais para o próximo pleito. O desempenho de um instituto sempre desagrada alguém e acaba como argumento para lobistas que atuam sistematicamente por restrições à publicação dos levantamentos.

    Para esse grupo, 2016 foi um prato cheio. A percepção de que os institutos de pesquisas não conseguiram captar as tendências do eleitorado foi reforçada no imaginário da população pela repercussão de resultados opostos ao que se propagava, como o "sim" britânico ao "brexit", o "não" colombiano à paz com as Farc e principalmente a vitória de Donald Trump na eleição norte-americana. No Brasil, a volatilidade e a prática do voto útil nas eleições municipais também potencializaram a gritaria. Mas até que ponto essa demonização é correta?

    O equilíbrio nas disputas, marcadas por resultados apertados, dentro do intervalo de confiança das margens de erro, já seria suficiente para absolver boa parte dos que ousaram monitorar esses fenômenos.

    Em alguns casos, a precisão foi além —Hillary Clinton, como apontavam as pesquisas nacionais, foi de fato a candidata mais votada pelos eleitores americanos que compareceram às urnas.

    A democrata perdeu no Colégio Eleitoral, em que o peso do eleitorado de cada Estado é representado pelo número de delegados que os representam.

    Na Colômbia, institutos detectaram a tendência de crescimento do "não" nos estudos de véspera, com percentuais próximos de 50%. No Reino Unido, o apoio ao "brexit" já era majoritário entre os "likely voters" (eleitores que davam total certeza de que votariam na consulta).

    Acusar os institutos pode ser uma saída oportuna, uma cortina de fumaça para atenuar a responsabilidade de outros atores do processo. Os levantamentos eleitorais não se limitam à relação entre respondentes e pesquisadores. Há ainda o contratante e a forma pela qual o público em geral se informa sobre os resultados.

    A interação entre esses players se dá nas diversas fases de execução da pesquisa. Todas as etapas possuem importante grau de complexidade e exigem controle rigoroso, desde o recebimento do briefing, passando pelo planejamento amostral e a coleta de dados, até a análise e, especialmente, a comunicação dos resultados.

    De nada adianta uma pesquisa tecnicamente perfeita, mas que tem seus resultados divulgados de maneira incompreensível, ou o contrário —levantamentos com sérios problemas metodológicos que alcançam canais que lhe conferem credibilidade.

    O exemplo mais evidente é a eleição americana, em que uma proliferação de modelos preditivos, aparentemente sofisticados, foi absorvida pela grande imprensa, sem muito questionamento. Não há teorema que pare em pé diante das escolhas subjetivas de um analista e dos riscos que ele admite assumir com base em dados descritivos, coletados em períodos distintos, por mais científico que se venda o procedimento.

    Não se trata de eximir os institutos de culpa. As mudanças nos cenários social, econômico e tecnológico dos últimos anos, combinadas ao debate passional na esfera pública, demandam adaptação constante das empresas, não só em metodologia, mas também no ambiente de negócios. A busca por eficiência não pode significar o comprometimento da qualidade nas diferentes etapas do processo e da adequação de cada uma delas às necessidades de seus agentes.

    Nesse sentido, a decisão do Gallup americano, anunciada em 2015, de não fazer as chamadas "horse-race pooling" (os levantamentos tradicionais de intenção de voto, apelidados de "corrida de cavalos") para as eleições presidenciais deste ano nos Estados Unidos soa hoje como um presságio preocupante e simbólico, com sensação de batalha perdida. Por mais que encontrasse explicações nobres para justificá-la, a posição do instituto, que carrega o nome do precursor do uso de fundamentos estatísticos em pesquisas eleitorais, lançou incertezas sobre o papel do instrumento que tanto ajudou a popularizar.

    Enquanto isso, candidatos a mago e videntes, com cacos de bolas de cristal nas mãos, procuram se livrar da responsabilidade. Para quem construiu reputação alertando o mundo sobre a superficialidade dos ruídos em comparação aos sinais, suas previsões em 2016, amplificadas pelos veículos que lhe dão voz, não passaram de muito barulho por nada.

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