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    Fósseis de dentes mostram sinais antigos de altruísmo

    RICARDO BONALUME NETO
    DE SÃO PAULO

    08/02/2014 03h19

    Dentes sempre foram um grande sucesso entre peritos criminais e paleontólogos, pois costumam ser a melhor pista que resta sobre algo que aconteceu no passado, como um crime com um corpo carbonizado –e também, no caso destes cientistas que estudam a evolução humana, no passado bem, bem mais distante: cerca de 1,77 milhão de anos atrás.

    Por isso a comunidade que xereta a vida dos mais antigos ancestrais humanos ficou particularmente excitada com uma recente análise de fósseis achados em Dmanisi, Geórgia, Europa oriental, com essa longeva idade.

    Eram mandíbulas de pessoas que viviam próximas, logo tinham hábitos e dietas semelhantes. Eram de idades diferentes e que revelam coisas inesperadas.

    Por exemplo, um deles era um precoce usuário de palito de dentes. E era tão fã da coisa que isso afetou sua mandíbula, deixando o dano visível aos cientistas quase dois milhões de anos depois. Já outro era um senhor (ou senhora) de idade, quase banguela, e que conseguiu sobreviver muitos anos apesar da sua péssima dentição.

    Georgian National Museum
    Dentes têm danos causados por espécie de palito de dente
    Dentes têm danos causados por espécie de palito de dente, o que indica uso precoce do "utensílio"

    O usuário de palito é basicamente uma curiosidade científica, um antigo exemplo dessa prática nada elegante, mas disseminada pelo planeta há milênios. Um pedaço de comida entre os dentes é suficiente para irritar muita gente a ponto de empregarem um palito, na falta de fio dental.

    Já o senhor sem dentes -mas que também pode ser senhora, os fósseis não são conclusivos- prova algo mais importante e interessante: já nesse tempo muito antigo, seres humanos cuidavam uns dos outros. Ele (ou ela) só pôde sobreviver porque outros membros do grupo pré-mastigavam a comida para ele (ou ela), ou davam outro jeito de torná-la mais mole e comestível.

    Foi uma prova antiga do começo do altruísmo entre seres humanos, segundo os autores do estudo.

    Os pesquisadores liderados por David Lordkipanidze, do Museu Nacional da Geórgia, identificaram quatro indivíduos por suas mandíbulas. D3900 é o senhor (ou senhora) quase banguela –tinha apenas um dente. O fóssil D2600 também era relativamente idoso; os outros dois, D2735 e D211, eram mais jovens membros do gênero humano ancestral, Homo, provavelmente o Homo erectus (o homem atual é conhecido pelo nome científico Homo sapiens).

    "A idade dos indivíduos não pode ser estimada, pois o desenvolvimento é diferente entre o antigo gênero Homo se comparado com os humanos modernos, isto é, não temos como saber o quão rápido eles se tornavam adultos, como os homens de hoje, por exemplo, aos 18 anos. Mas é possível estimar a idade com base no desgaste dos dentes. Quanto mais gastos, mais velho é o indivíduo", disse à Folha a principal autora do novo estudo, Ann Margvelashvili, da equipe de Lordkipanidze.

    D2735 abusou do palito de dente a ponto de adquirir uma periodontite que deixou marca no seu osso da mandíbula. Essa inflamação deixou uma marca bem identificável como tal.

    A pesquisa deixa, contudo, uma grande dúvida. Está claro que os indivíduos achados na Geórgia são da mesma espécie. Mas diferenças como as que eles mostram entre si já foram usadas por pesquisadores para identificar novas espécies de humanos ancestrais. Aliás, muitas espécies de hominídeos foram praticamente descritas apenas com base em poucos dentes e ossos.

    Outros ancestrais humanos do gênero Homo foram achados na África, com idades anteriores e posteriores aos fósseis de Dmanisi. Levam nomes como Homo habilis, Homo rudolfensis, Homo ergaster e Homo erectus. E se fossem todos da mesma espécie?

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