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    Lista global de cientistas em evidência antes dos 40 destaca biólogo brasileiro

    REINALDO JOSÉ LOPES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    26/05/2014 02h00

    A revista científica "Cell", uma das mais importantes do mundo, fez uma lista de 40 cientistas de peso com menos de 40 anos de idade como forma de comemorar seu quadragésimo ano de existência. Curiosamente, o único brasileiro da lista, Dario Simões Zamboni, 38, que estuda processos inflamatórios, diz que nunca teve a sorte de emplacar um estudo na "Cell".

    "Se eu fosse escolher uma revista para publicar um trabalho de impacto, certamente seria a deles", brinca Zamboni, professor da USP de Ribeirão Preto. "Outras publicações importantes, como a 'Nature' ou a 'Science', priorizam mais a novidade, os assuntos mais quentes. A 'Cell' é aquele espaço onde você consegue contar uma história de pesquisa de maneira completa, com dez figuras."

    Edson Silva/Folhapress
    Dario Zamboni, da USP de Ribeirão Preto
    Dario Zamboni, da USP de Ribeirão Preto

    Essa, inclusive, é uma das principais críticas de Zamboni aos rumos que a ciência brasileira tem tomado. Para o biólogo da USP, as agências de fomento à pesquisa do país, ao supervalorizar a quantidade de artigos que cada cientista publica, acabam atrapalhando as tentativas de montar esse tipo de história completa -o que reduz o impacto da pesquisa brasileira.

    "Na área biológica, você tem duas maneiras de ver um fenômeno: ou você simplesmente o reporta, descrevendo-o, ou você tenta ver o que está por trás do fenômeno, por que ele acontece. A maneira mais completa de fazer as coisas é juntar tudo num só 'paper' [artigo científico]. E as agências de fomento do Brasil têm de olhar com uma atenção especial as pesquisas que fazem as duas coisas, o que não acontece hoje", explica. "Se eu sou cobrado apenas por número de 'papers', acabo desistindo, ainda mais com as barreiras que nós temos para importar reagentes para pesquisa."

    INSETOS E ORQUÍDEAS

    Nascido em Jaboticabal (SP) em família de paulistas são-paulinos, Zamboni foi para Brasília com os pais com apenas um ano de idade. E lá cresceu. Tanto o pai quanto a mãe eram professores universitários (ele de artes plásticas, ela de letras), mas ele diz que, desde que se entende por gente, seu maior interesse já era pela biologia.

    Quando eu era pequeno, ficava contando quantas vezes uma barata d'água ia para um lado ou para o outro", ri ele. Aos 13 anos, junto com o pai, pôs-se a cultivar orquídeas, o que hoje ele considera "quase uma terapia". Aproveitando o calor ribeirão-pretano, boa parte de suas 300 plantas são oriundas da Bahia e outras regiões quentes.

    Foi o estudo dos micro-organismos, no entanto, que acabou por fisgá-lo, numa iniciação científica ainda no ensino médio, sob orientação de Isaac Roitman, da UnB (Universidade de Brasília), onde depois cursou biologia. Fez seu doutorado na Unifesp, em São Paulo, e um pós-doc na Universidade Yale, nos EUA. Sua mulher, Tiana Kohlsdorf, também é bióloga e leciona na USP de Ribeirão Preto -eles têm dois filhos, Bruno, 6, e Carolina, 4.

    INIMIGOS INTRACELULARES

    O grande desafio de Zamboni e de seus colaboradores é entender como funciona o contra-ataque aos chamados parasitas intracelulares, ou seja, aqueles que precisam se instalar dentro das células de seus hospedeiros. Essa é uma categoria vasta de inimigos da saúde humana, que inclui todos os vírus, muitas bactérias e muitos micro-organismos mais complexos, como os patógenos causadores da leishmaniose, da doença de Chagas e da malária.

    A equipe da USP de Ribeirão Preto está ajudando, entre outras coisas, a elucidar o funcionamento do inflamasoma, um conjunto de moléculas, entre as quais a enzima caspase-1, que deflagra uma resposta inflamatória (como indica seu nome) quando uma célula detecta que um desses parasitas invadiu seu interior.

    Essa reação tem algo de kamikaze: a célula, ao "perceber" bioquimicamente a invasão, inicia sua autodestruição e, ao mesmo tempo, envia uma mensagem de emergência ao sistema de defesa do organismo, recrutando para o local outras células cuja missão é deter a infecção -daí o processo inflamatório.

    LEISHMANIOSE

    Um dos trabalhos recentes da equipe, publicado na revista "Nature Medicine" de julho do ano passado, foi demonstrar como as moléculas do inflamasoma se comportam durante a leishmaniose, causada por protozoários do gênero Leishmania.

    "Não sei se nós conseguiríamos aplicar facilmente esse tipo de conhecimento para controlar uma infecção, já que gerar inflamação também danifica o hospedeiro", explica Zamboni. "Não é uma coisa assim tão simples."

    De qualquer maneira, o biólogo não hesita em afirmar que o único jeito de enfrentar micro-organismos nocivos com mais eficiência -a exemplo das bactérias, cada vez mais resistentes a antibióticos- é aumentar o conhecimento sobre a biologia deles. Só assim é que surgem ideias indicando novos caminhos. "Daí a importância da pesquisa básica", ressalta. (RJL)

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