• Ciência

    Tuesday, 21-May-2024 11:18:35 -03

    Europeus ameaçam boicotar projeto bilionário de simulação do cérebro

    IAN SAMPLE
    DO "GUARDIAN"

    07/07/2014 19h14

    O maior projeto do mundo com objetivo de desvendar os mistérios do cérebro humano entrou em crise após mais de cem cientistas de renome ameaçarem boicotar a empreitada. O grupo vê de problemas de gerenciamento e diz temer de que o programa esteja destinado ao fracasso.

    A Comissão Europeia lançou o Human Brain Project com orçamento de € 1,2 bilhão no ano passado, com a meta ambiciosa de converter o conhecimento atual da neurociência em uma simulação do cérebro humano num supercomputador. Mais de 80 centros de pesquisa da Europa e de outros continentes entraram no projeto de dez anos.

    Mas a iniciativa se mostrou controversa desde o início. Muitos pesquisadores se recusaram a participar alegando que seria muito prematuro tentar simular um cérebro inteiro num computador. Agora, alguns alegam que o projeto está adotando a abordagem errada, desperdiça dinheiro e pode levar a neurociência a um retrocesso se não cumprir suas promessas.

    Numa carta aberta à Comissão Europeia nesta segunda (7), mais de 130 líderes de grupos científicos ao redor do mundo avisam que vão boicotar o projeto e convidam outros a fazerem o mesmo, ao menos que a iniciativa sofra grandes alterações.

    Os pesquisadores pedem que autoridades europeias que estão revisando os planos agora analisem com cuidado a ciência e o gerenciamento antes de decidirem renovar o financiamento do projeto. Eles dizem crer que a revisão, que deve ser concluída neste verão europeu, encontrará "falhas substanciais" na governança, na flexibilidade e na transparência do projeto.

    Um dos pontos centrais na controvérsia é o conjunto de mudanças feitas por Henry Markram, chefe do Human Brain Project no Instituto Federal de Tecnologia da Suíça, em Lausanne. As alterações ignoraram trabalhos de cientistas cognitivos que estudam funções cerebrais superiores, como pensamento e comportamento. Sem elas, a simulação cerebral será construída de baixo para cima, com base em pesquisas mais básicas, como estudos sobre neurônios individuais. O cérebro, o objeto mais complexo que se conhece, possui cerca de 86 bilhões de neurônios e 100 trilhões de conexões.

    "OBJETIVO PREMATURO"

    "Aquele que parece ser o principal objetivo de se construir uma simulação do cérebro humano em grande escala é radicalmente prematuro", afirma Peter Dayan, diretor de neurociência computacional no University College de Londres. "De uma perspectiva científica, nos resta um projeto destinado ao fracasso. É um desperdício de dinheiro. Vai sugar todos os fundos para pesquisas neurocientíficas de valor e vai desagradar, com razão, o público que financiou esse trabalho."

    A decisão europeia de aprovar o Human Brain Project incentivou cientistas americanos a fazerem o mesmo. O programa Brain Initiative, dos EUA, tem como objetivo mapear a atividade do cérebro humano e pode receber até US$ 3 bilhões ao longo de dez anos.

    Um dos signatários da carta, Alexandre Pouget, da Universidade de Genebra, diz que, apesar de simulações serem válidas, elas não são suficientes para explicar como o cérebro funciona. "Existe aqui o risco de a Europa achar que está investindo num grande projeto de neurociência, o que não é verdade. Esse é um projeto de informática", afirmou. "Eles precisam ampliar o escopo do programa e assimilar a vantagem da expertise que temos em neurociência. Se não for tarde demais. Podemos consertar isso. Cabe à Europa tomar a decisão certa."

    Mas Markram defendo o projeto avidamente, argumentando que seu objetivo sempre foi o de desenvolver tecnologia, não apenas neurociência básica. Ele afirma que seu objetivo não é produzir mais dados do tipo que neurocientistas já produzem, e sim desenvolver novas ferramentas para tentar entender os vastos conjuntos de dados produzidos pelas ciências do cérebro.

    "A base lógica do Human Brain Project é um plano para os dados: o que queremos fazer com todos esses dados? Essa é um empolgante projeto de tecnologia da comunicação e informação que trará ferramentas e capacidade totalmente novas para todos em neurociência", afirmou. "Não é uma fonte de financiamento genérica para a neurociência produzir mais pesquisas do mesmo tipo."

    [an error occurred while processing this directive]

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024