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    Homens e macacos compartilham ilusão da sorte

    CARL ZIMMER
    DO "NEW YORK TIMES"

    15/07/2014 02h00

    De vez em quando, os atletas conseguem aquilo que se costuma definir como uma boa sequência. De repente, a bola de basquete passa pela rede a cada arremesso, um jogador de beisebol consegue rebatidas em todas as partidas ou um atacante de futebol não para de marcar gols.

    Os jogadores acreditam nessa condição abençoada -conhecida como "mão quente" no basquete- a tal ponto que fizeram dela parte de sua estratégia para vencer jogos. "No ataque, se algum outro jogador está com a mão quente, passo a bola para ele constantemente", escreveu Walt Frazier, uma lenda do basquete, em "Steady: A Guide to Basketball Cool", o livro de memórias que ele publicou em 1974.

    Nos anos 80, Thomas Gilovich, psicólogo da Universidade Cornell, em Ithaca, Nova York, conduziu um estudo sobre as boas sequências. Ele e os colegas confirmaram que a vasta maioria dos jogadores de basquete acreditava no fenômeno, assim como os espectadores. Mas, em seguida, Gilovich e sua equipe analisaram o fenômeno da mão quente estatisticamente, e ele não se sustentou. A boa sequência, eles concluíram, era uma ilusão causada "pela concepção, no geral equivocada, que as pessoas têm sobre o que é sorte".

    Mas nossa crença na mão quente persiste. Os jogadores de roleta apostam em mais números depois de ganhar do que apostam depois de perder, constataram pesquisadores. O estabelecimento comercial que vende um bilhete de loteria premiado tenderá a vender mais bilhetes depois disso. Os investidores frequentemente presumem que os preços em alta de determinadas ações continuarão sempre subindo.

    Um estudo publicado pelo "Journal of Experimental Psychology: Animal Learning and Cognition" sugere que o fenômeno da boa sequência é tão antigo que até macacos o exibem. A pesquisa se baseia em testes com voluntários humanos conduzidos por Andreas Wilke, psicólogo da Universidade Clarkson, em Potsdam, Nova York, e seus colegas.

    Em um desses estudos, os cientistas pediam a voluntários que jogassem um jogo de computador que exibia a imagem ou de uma pera ou de um ramo de cerejas. Os voluntários tinham que apostar qual fruta apareceria a seguir.

    A ordem das imagens era aleatória. No entanto, os voluntários tendiam a apostar que a fruta seguinte seria a mesma que a mais recente. Em outras palavras, acreditavam em uma sequência quente para as frutas.

    Em outro teste, o Dr. Wilke e seus colegas permitiam que voluntários escolhessem entre versões diferentes do jogo, para que aumentassem sua porcentagem de vitórias. Uma versão trazia maior probabilidade de que a fruta mudasse a cada rodada. Como resultado, o número de sequências quentes era menor.

    Deveria ser um jogo fácil. Tudo que os voluntários precisavam fazer era adivinhar que a próxima fruta seria diferente. Mas eles tendiam a evitar a versão do jogo em que as frutas se alternavam e optavam pela versão aleatória, "na qual viam um padrão que não existia", disse Wilke.

    O psicólogo e seus colegas argumentam que essa teimosia mental é um efeito colateral da maneira pela qual nossos cérebros se desenvolveram. "Nossa ideia é de que a força propulsora do fenômeno da mão quente é nossa história como caçadores e coletores". Nossos ancestrais estavam sempre em busca de comida, caçando animais ou coletando plantas. Em suas buscas, tinham de decidir continuamente onde procurar a seguir. A escolha errada significaria fome.

    O Dr. Wilke argumenta que essa ameaça levou nossos ancestrais a desenvolver algumas regras básicas de cálculo tendo por base o fato de que animais e plantas não se espalham aleatoriamente por uma área. Em lugar disso, são encontrados em agrupamentos concentrados.

    Ele constatou que um grupo de pessoas que viviam na floresta amazônica mais profunda e dependiam da caça e coleta para parte de sua alimentação apresentava o mesmo desvio que os voluntários norte-americanos de seus estudos. E o mesmo vale para um grupo de macacos.

    Os macacos jogavam um jogo com retângulos coloridos e tentavam adivinhar qual seria a próxima cor. Não conseguiam evitar ao palpite de que a cor seria a mesma que a anterior.

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