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    Se fosse abandonada, São Paulo viraria apenas pó sob a mata atlântica

    REINALDO JOSÉ LOPES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    23/11/2014 02h00

    À primeira vista, os arqueólogos do século 31 terão diante de si um banquete de dados quando tentarem reconstruir como era a vida em 2014. Nunca publicamos tantos livros nem construímos tantas casas, e até os detalhes mais banais do cotidiano estão sendo preservados em formato digital.

    Acontece, porém, que essa montanha de informações é muito mais fácil de ser derrubada do que se imagina.

    Não dá para garantir, por exemplo, que as fotos da família ou dos bichos de estimação que muita gente hoje prefere "guardar" em redes sociais não virem fumaça quando as empresas donas desses sites acabarem falindo.

    E até os aspectos mais imponentes da infraestrutura urbana moderna, como metrôs ou arranha-céus, são surpreendentemente frágeis se não há manutenção constante, podendo sumir em questão de poucas décadas.

    É possível que uma das dores de cabeça dos arqueólogos do ano 3000 seja a perda de registros digitais "na nuvem" –ou seja, as informações que as pessoas hoje deixam apenas em serviços de e-mail ou em redes sociais.

    "Costumo dizer que 'nuvem' é só uma palavra chique que significa que aquele arquivo não está no seu computador, mas no computador de outro sujeito", brinca Marc Weber, curador do Museu da História do Computador, em Mountain View, na Califórnia.

    "Na verdade, esse modelo da 'nuvem' é muito parecido com o dos anos 1960 e 1970. Só que em vez de computadores enormes, temos inúmeras prateleiras de computadores menores conectados entre si."

    E é justamente aí que começam os problemas. Arquivos e softwares podem estar distribuídos por várias máquinas diferentes, o que hoje serve, por exemplo, para facilitar downloads. Quem for tentar recuperar tais dados no futuro teria sérias dores de cabeça se, por azar, não contar com todos os computadores da "nuvem" original.

    Há ainda a questão legal: não há nada que obrigue os gigantes da informática a preservarem esses dados caso acabem falindo ou sejam comprados por outra empresa.

    Weber cita o exemplo do Geocities, uma comunidade de sites que surgiu nos anos 1990 e acabou sendo simplesmente fechada pelo Yahoo!, que a comprou em 1999. Parte do conteúdo foi replicada, mas muita coisa se perdeu.

    E, é claro, há o fato de que discos rígidos de computadores estão longe de ser eternos. Após algo entre cinco e dez anos de uso, não dá mais para confiar que a informação neles estará intacta. O mesmo vale para CDs e DVDs.

    "Você passa a ter de contar com a sorte", diz o curador. "Além disso, a tecnologia necessária para ler a mídia mais antiga deixa de estar disponível, e as pessoas simplesmente acabam abandonando os arquivos caso eles não tenham sido transferidos para uma mídia mais nova."

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    Caso se imagine um futuro realmente apocalíptico –algum tipo de colapso que leve ao abandono das grandes metrópoles, por exemplo–, nada garante que os restos de São Paulo fiquem mais bem preservados do que os da Roma antiga, por exemplo.

    O concreto, por exemplo, depende de manutenção na escala de décadas para não começar a rachar. Após vários séculos abandonado, vira apenas pó. A situação é ainda pior no caso do asfalto, diz a arqueóloga Chlöe Duckworth, da Universidade de Nottingham (Reino Unido).

    Não se pode esquecer, aliás, que São Paulo (assim como várias outras metrópoles) foi construída em cima de uma vasta rede de rios canalizados.

    Sem manutenção e com chuvas fortes, eles fatalmente escapariam de seus canos em poucos anos, abrindo buracos e inundando o metrô.

    Esse processo também corroeria o metal das fundações dos grandes edifícios, levando-os a desabar e abrindo "clareiras". Em poucos séculos, a mata atlântica voltaria a tomar conta de tudo.

    Quais artefatos continuariam intactos mesmo após milênios? Segundo Duckworth, objetos de vidro e cerâmica, bem como em utensílios feitos de certos metais, como o ouro e o alumínio. E, claro, monumentos de pedra –como já sabiam os egípcios. De resto, muito pouco.

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