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    Usando peixes, pesquisadores exploram dinâmica da percepção cerebral

    JAMES GORMAN
    DO "NEW YORK TIMES"

    25/11/2014 02h00

    Beatrice de Gea/The New York Times
    Gravações da atividade elétrica de peixes usados na pesquisa por Larry Abbot
    Gravações da atividade elétrica de peixes usados na pesquisa por Larry Abbot

    Os Estados Unidos e a União Europeia lançaram novos programas de pesquisas cerebrais, como parte de uma recente onda de estudos nesse campo.

    Os cientistas estão mapeando áreas dos cérebros de ratos, moscas e humanos, com graus diversos de detalhamento. Com isso, eles tentam obter uma maior compreensão sobre o funcionamento cerebral, descobrindo, por exemplo, como o cérebro dos mamíferos se localiza espacialmente e recorda lugares, um trabalho que conquistou o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina neste ano.

    No entanto, o crescente conjunto de dados disponíveis –mapas, atlas e conectomas que mostram as ligações entre as células e regiões do cérebro- constitui um paradoxo do progresso, pois esses avanços revelam como são enormes as lacunas na compreensão.

    Restam perguntas demais, grandes e pequenas. Como a informação é codificada e transferida de uma célula para outra ou de rede celular para rede celular? A ciência encontrou um código genético, mas não existe um código neurológico aplicável a todo o cérebro –nenhum alfabeto elétrico ou químico que possa ser recombinado para dizer "vermelho" ou "medo". Ninguém sabe se a informação é codificada de forma diferente em diferentes partes do cérebro.

    Larry Abbott, 64, leciona na Universidade Columbia, em Nova York, e é um dos mais importantes teóricos desse campo.

    Abbott trocou a física pela neurociência no final dos anos 1980, após passar pelo laboratório de Eve Marder, sua colega na Universidade Brandeis, em Massachusetts. Na época, a equipe dela estudava os neurônios que controlam um músculo dos caranguejos.

    Um aluno de Marder mostrou a Abbott o equipamento que gravava a atividade elétrica dos neurônios e a traduzia em cliques que podiam ser ouvidos em alto-falantes cada vez que uma célula atingia um pico de atividade. "Foi o som desses picos que me extasiou", disse Abbott.

    Beatrice de Gea/The New York Times
    Larry Abbott, ex-físico teórico que busca agora entender o cérebro
    Larry Abbott, 64, físico teórico que busca agora entender o cérebro

    Marder e Abbott inventaram a técnica da fixação dinâmica, maneira de vincular as células do cérebro a um computador e manipular a sua atividade, testando ideias sobre como as células e redes celulares operam.

    Uma década atrás, ele se transferiu da Brandeis para a Columbia, onde junto com outros cientistas tenta construir modelos computacionais do funcionamento cerebral. Individualmente, segundo ele, os neurônios já foram bem compreendidos. A questão agora é como grupos maiores, milhares de neurônios, trabalham juntos –seja para produzir uma ação, como pegar uma xícara, ou para perceber uma flor.

    Existem maneiras de gravar a atividade elétrica neuronal no cérebro, e esses métodos estão melhorando rapidamente. Mas, explicou o cientista, "se eu lhe mostrar uma imagem de milhares de neurônios disparando, isso não vai dizer nada". A análise informatizada ajuda a reduzir e simplificar um quadro como esse, mas, segundo ele, o objetivo é descobrir o mecanismo fisiológico por trás dos dados.

    Recentemente, ele trabalhou com Nate Sawtell, outro pesquisador de Columbia, e Ann Kennedy, pós-graduanda no laboratório de Sawtell, estudando peixes do tipo "fracamente elétricos". Ao contrário das enguias elétricas e de outros peixes que usam os choques para atordoar suas presas, esses peixes geram um campo elétrico fraco, que os ajuda a localizar a presa. Os pesquisadores conceberam experiências para tentar compreender como o cérebro e os órgãos de detecção de eletricidade desses peixes funcionam.

    Abbott se juntou a outros no laboratório para levar essa compreensão um pouco além. O peixe fracamente elétrico tem dois sistemas de detecção. Um deles é passivo, colhendo campos elétricos de outros peixes ou presas. O outro é ativo, o envio de um pulso para comunicação ou como uma versão elétrica do sonar. Eles sabiam que o peixe era capaz de anular o seu próprio pulso elétrico, criando o que Abbott chamou de "imagem negativa".

    Eles conectaram fios ao cérebro de um peixe fracamente elétrico e descobriram que um grupo de neurônios estava enviando uma cópia atrasada do comando que outra parte do cérebro destinava ao seu órgão elétrico. O sinal atrasado ia direto para o sistema de detecção passiva, de forma a cancelar a informação do pulso elétrico. "O cérebro precisa calcular o que é autogerado versus o que é externo", explicou Sawtell.

    Essa descoberta pode não parecer um grande avanço, mas Abbott disse que ela ajuda a iluminar como uma criatura passa a traçar uma distinção entre si e o mundo. É o começo da compreensão acerca de como um cérebro ordena a enxurrada de dados que chegam do mundo exterior, dando-lhes sentido.

    Isso, afinal de contas, é parte do trabalho do cérebro –construir uma imagem do mundo a partir de fótons e elétrons, luz e escuridão, moléculas e movimento e conectá-la com o que o peixe, ou a pessoa, se lembra, necessita e deseja.

    "Nós olhamos o sistema nervoso das duas pontas para dentro", disse Abbott –ou seja, sensações que fluem para o cérebro e ações que são iniciadas lá. "Em algum lugar no meio fica realmente a inteligência, certo? É aí onde está a ação."

    fotografias de Béatrice de Géa para The New York Times
    Abbott estuda como a percepção funciona em peixes fracamente elétricos; à dir., gravações da atividade elétrica de um deles
    Um esforço para localizar onde os pensamentos inteligentes se formam

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