• Ciência

    Sunday, 19-May-2024 00:34:49 -03

    Questões éticas e legais intrigam criadores de carros autônomos

    RAFAEL GARCIA
    ENVIADO ESPECIAL A SAN JOSE (EUA)

    17/02/2015 01h48

    Com a perspectiva de os primeiros carros autônomos chegarem ao mercado em um horizonte de dez anos, engenheiros que desenvolvem essa tecnologia começam a se perguntar: se um veículo robótico autodirigível bater, quem leva a multa?

    Esse problema jurídico pode parecer secundário, mas pesquisadores do Vale do Silício, na Califórnia –um dos polos de desenvolvimento dessa nova geração de automóveis–, acreditam que ele esconde uma série de questões éticas e morais relevantes para a tecnologia em questão.

    Inicialmente, acreditava-se que bastaria alimentar o software dos carros autônomos com comandos simples para impedi-los de fazer coisas como ultrapassar o semáforo vermelho ou exceder o limite de velocidade. Mas está cada vez mais claro que isso não será suficiente.

    "O limite de velocidade é bem definido, mas aqui na Califórnia, por exemplo, os policiais são treinados para multar quem não estiver dirigindo 'de maneira razoável'", diz Chris Gerdes, pesquisador da Universidade Stanford que desenvolve carros autônomos. "Como vamos codificar esse 'comportamento razoável' em um robô?"

    Uma das questões com as quais o pesquisador se deparou foi o que fazer quando um carro autônomo encontra outro bloqueando uma rua estreita de mão dupla.

    Tecnicamente, quando há uma linha dupla no centro da pista, é proibido usar a pista da contramão para contornar o veículo, mas qualquer motorista acharia razoável fazê-lo, desde que com cautela.

    Mas como dar esse tipo de flexibilidade a um robô sem que seja necessário antecipar cada uma das situações de dúvida em que o carro vai se encontrar? Como dotar um robô de bom senso?

    ENIGMAS FILOSÓFICOS

    Para pensar essa e outras questões, o laboratório de engenharia de Gerdes resolveu contratar o filósofo Patrick Lin, da Universidade Estadual Politécnica da Califórnia, que passou uma temporada em Stanford ajudando os programadores a criar um veículo autodirigível com noção de bom senso.

    Um dos trabalhos de Lin foi traduzir conceitos éticos em um tipo de estrutura lógica que pode ser usada pelo computador.

    "Eu logo me dei conta de como a engenharia é diferente da filosofia", conta Gerdes. "Filósofos são capazes de elaborar muitas questões, mas não parecem se importar quando elas são impossíveis de responder. Nós engenheiros gostamos de respostas."

    O grupo, porém, fez algum progresso. Para apresentar os avanços mais recentes no campo de pesquisa, Gerdes organizou um simpósio dentro do encontro anual da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), em San Jose, na Califórnia.

    Após resolverem suas diferenças, os engenheiros começaram a trabalhar no problema, manipulando o software usado por Shelley, a piloto-robô que seu grupo de pesquisa plantou num Audi TTS.

    Editoria de arte/Folhapress

    Shelley está sendo programada para interagir com outros carros e desviar de obstáculos –coisa que sistemas autônomos como o do Google, desenvolvido sob alta confidencialidade, já fazem.

    Os carros autônomos de Stanford, porém, já conseguem fazer algo que os carros do Google ainda não fazem: vencer humanos em corridas. Em um desafio contra o relógio, correndo sozinha no autódromo de Thunderhill, Shelley venceu o campeão amador David Votten.

    O interesse em fazer Shelley pilotar como um profissional é aplicar o conhecimento em padrões de segurança para carros autônomos de transporte urbano.

    Mas, além da Universidade Stanford e do Google, outras equipes estão na corrida do lançamento dos carros autônomos.

    A Tesla, empresa do Vale do Silício, trabalha em seu veículo autodirigível –que deverá ter supervisão humana, tal qual um piloto automático de um avião–e espera lançá-lo em 2023. Já a japonesa Nissan anunciou que pretende lançar sua versão em 2020.

    Há ainda rumores de que Sony e Apple também podem entrar no negócio.

    O próximo desafio será a aprovação e a regulamentação por parte das autoridades públicas para colocar esses novos veículos nas ruas.

    BARBEIRAGEM

    Mas mesmo que em algum momento alguma montadora seja capaz de criar um carro autônomo altamente seguro, ele não será perfeito. E aí é que aparece a questão de quem leva a responsabilidade se o robô fizer alguma barbeiragem. Além dos filósofos, então, os engenheiros estão interessados em ouvir opiniões de advogados.

    Bryant Walker Smith, jurista de Stanford, tem se dedicado a imaginar o que poderá acontecer. Mesmo que os carros autônomos se mostrem mais seguros do que os guiados por humanos em algum momento, é provável que a indústria automobilística passe a assumir cada vez mais a responsabilidade por acidentes.

    "Isso deixa as montadoras muito receosas", diz Smith. "Mas no final das contas, se o risco for calculável, o custo legal de tudo isso poderá ser repassado aos usuários desses carros."

    O único problema, afirma Smith, é que é cedo para saber se os veículos autônomos cumprirão sua promessa de oferecer mais segurança.

    O mundo, porém, não precisa esperar para testemunhar o primeiro acidente envolvendo um carro robótico, entretanto. Em 2010, sem causar grande alarde, um dos protótipos do Google foi atingido por trás por outro carro durante um teste em Mountain View, no Vale do Silício. Segundo a empresa, naquela ocasião o motorista humano assumiu a culpa.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024