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    Alzheimer pode estar ligado a genes demais no cérebro

    REINALDO JOSÉ LOPES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    20/02/2015 02h03

    A origem de mais de 90% dos casos do mal de Alzheimer, doença degenerativa do cérebro que leva à perda de memória e à morte, pode estar ligada a estranhas modificações no DNA dos neurônios, que acabam ficando com "excesso de bagagem" em seu material genético.

    Tais alterações não são nada sutis: correspondem a um acréscimo de centenas de milhões de "letras" químicas de DNA nas células cerebrais, ou cerca de um décimo do conteúdo total do genoma. Em meio a tanta tralha, os neurônios de quem tem alzheimer passam a abrigar cópias extras de um gene essencial para a produção de uma molécula que danifica o cérebro de quem tem a doença.

    O "excesso" desse gene, conhecido como APP, já tinha sido identificado nos raros casos de alzheimer familiar, ou seja, uma forma da doença que costuma afetar membros da mesma família. O mesmo se dá com pessoas que têm síndrome de Down, as quais também têm alta probabilidade de desenvolver alzheimer.

    Editoria de Arte/Folhapress
    Alzheimer

    "O problema é que, na grande maioria dos casos, as pessoas procuravam essa associação e não encontravam", explica Stevens Rehen, pesquisador da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Quando se analisava o DNA do cérebro como um todo, a situação parecia normal "A gente buscou outra perspectiva, investigando células individualmente", diz Rehen, um dos autores do novo estudo sobre o tema, junto com colegas do Instituto de Pesquisa Scripps e da Universidade da Califórnia em San Diego, nos EUA.

    FORA DO PADRÃO

    Essa abordagem deriva da constatação de que os neurônios, por natureza, parecem ser meio rebeldes quando o assunto é DNA. Em outros trabalhos, Rehen e seus colegas já tinham mostrado que muitas das células do cérebro possuem um genoma peculiar, com quantidades de DNA que não seguem o padrão normal das demais células do organismo (em geral, duas cópias para cada gene). Essas variações poderiam ajudar os neurônios a se especializar ou, caso saíssem dos trilhos, desencadeariam doenças.

    No começo, a ideia parecia tão esquisita que a equipe acabou levando uma década para conseguir publicar seus resultados. "A gente teve de demonstrar mais ou menos a mesma coisa com cinco técnicas diferentes para convencer os revisores do artigo", conta Rehen.

    Mas deu certo, e o que os pesquisadores viram, ao comparar o DNA de neurônios de pessoas com alzheimer e de gente sem a doença, é que os primeiros tinham um genoma "supercrescido", de fato. Além disso, cada um dos neurônios de doentes tinha, em média, quatro cópias do famigerado gene APP, contra duas cópias nos neurônios de pessoas sadias - e não era incomum encontrar neurônios de alzheimer com seis ou até mais cópias do gene.

    A questão, agora, é saber o que está acontecendo. "Pode ser que, no caso das pessoas que desenvolvem alzheimer, os neurônios estejam acumulando ferrugem naquela engrenagem", compara Rehen. Ou seja, ao tentar consertar erros no DNA (que aparecem naturalmente ao longo da vida), sem conseguir fazer isso direito, os neurônios estariam acumulando material genético indesejável e ficando doentes.

    Se fosse possível minimizar esse processo, surgiria aí uma nova maneira de prevenir ou combater o mal de Alzheimer. Por outro lado, diz Rehen, valeria a pena estudar outras doenças do cérebro para ver se mecanismos desse tipo também estão por trás delas.

    A pesquisa está na revista científica "eLife".

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