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    Peixinho dourado doente faz cirurgia e quimioterapia contra o câncer no RS

    PAULA SPERB
    COLABORAÇÃO PARA FOLHA,
    EM CAXIAS DO SUL (RS)

    09/03/2015 02h02

    A falta de apetite foi um dos primeiros sinais de que Gold, 10, não estava bem. Quando um corpo estranho começou a crescer na parte externa de seu abdome, a origem do problema foi identificada: era um tumor, e precisava ser operado.

    O paciente é um peixinho dourado, de nome científico Carassius auratu, que vive em um aquário do laboratório de ictiologia da UPF (Universidade de Passo Fundo), no interior do Rio Grande do Sul.

    Segundo Darlan Gusso, 22, estudante do nono semestre de medicina veterinária e estagiário do laboratório, o tumor estava "roubando" os nutrientes de Gold.

    A minuciosa cirurgia para a retirada do tumor ocorreu em 15 de janeiro e foi um sucesso. "É uma microcirurgia. Tudo é menor: o bisturi, a medicação, tudo pequenininho", explica a professora e médica veterinária Michelli de Ataíde, 32.

    O procedimento teve outros detalhes curiosos. Para não ficar sem oxigênio durante a operação, que ocorreu fora da água, Gold foi entubado. Ele ficou desacordado enquanto Michelli trabalhava.

    Após a cirurgia, o peixe foi colocado em um aquário sem analgésico para acordar. Sete minutos depois, já estava nadando.

    De acordo com a professora, particularidades como a dose exata de anestesia e de analgésico tornam a cirurgia complexa. O procedimento não é inédito, mas não chega a ser rotineiro. Na UPF, foram realizadas duas cirurgias para retirada de tumores de peixes nos últimos anos.

    Michelli estima que no país sejam realizadas 20 cirurgias dessa complexidade por ano, concentradas nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Segundo os veterinários, não há nem sequer um protocolo definido para cirurgia de câncer em peixes na literatura.

    Sendo a cirurgia é rara, foi uma oportunidade para estagiários e residentes em medicina veterinária acompanharem o procedimento. Nove pessoas se apertaram na sala.

    Botando a mão na massa mesmo, participaram da operação uma cirurgiã e duas anestesistas, além de um estagiário que também manuseou o peixe.

    Depois da cirurgia, Gold foi tratado com quimioterapia e também com sessões de crioterapia –aplicação de nitrogênio a 60 graus negativos no local da lesão. A terapia pelo frio também exige uma anestesia, ainda que mais leve, e analgésicos para aliviar a dor causada pelo aparelho que aplica o nitrogênio no local onde antes estava o tumor.

    "Como qualquer outro ser vivo, os peixes também sentem dor", explica a veterinária, que tem notado o aumento da procura para tratamento de peixes ornamentais.

    Ela atribui o fato ao aumento da expectativa de vida dos peixes devido aos cuidados com água e alimentação.

    Em setembro de 2014, George, um peixe dourado australiano, ficou famoso após ter um tumor retirado da cabeça. A cirurgia, em um hospital de Melbourne, foi parecida com a de Gold. Entretanto, George teve uma hemorragia que precisou ser estancada.

    Já o tratamento pós-operatório de Gold foi encerrado na segunda-feira (2). "Ele é muito forte", diz Michelli. E privilegiado. Se não fosse o peixe preferido do laboratório e habitasse um aquário comum, a cirurgia custaria até R$ 1.500 aos donos.

    Recuperado do câncer, Gold voltou a comer cerca de cinco gramas de ração proteica e vitaminada por dia.

    "Ele está muito ativo, sempre procura um lugarzinho em que gosta de se esconder no aquário", conta Gusso.

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