• Ciência

    Saturday, 04-May-2024 21:09:43 -03

    Sonhos ajudam a 'esculpir' memórias, diz estudo brasileiro

    REINALDO JOSÉ LOPES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    14/03/2015 02h03

    Os sonhos podem não ser mensagens divinas, como se acreditava na Antiguidade, mas sua função real é igualmente importante: "esculpir" memórias nas conexões entre as células do cérebro.

    Essa é a principal conclusão de um estudo com ratos feito por pesquisadores brasileiros, no qual os roedores que sonharam logo depois de ter brincado com objetos que nunca tinham visto antes tiveram áreas-chave de seu cérebro remodeladas pela ativação de certos genes.

    Era como se os cientistas enxergassem as memórias dos bichos se formando.

    Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress
    Sinápses des ratos

    A pesquisa, publicada na revista "Neurobiology of Learning and Memory", tem entre seus autores Sidarta Ribeiro, do Instituto do Cérebro da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), e Koichi Sameshima, do Hospital Sírio-Libanês e da USP.

    Para Ribeiro, o melhor termo para designar o que acontece no cérebro dos ratos durante os sonhos é "entalhamento". "Isso dá a noção de alto e baixo relevo", como uma figura esculpida, diz.

    Durante essa fase do sono, as sinapses (conexões entre neurônios) passam tanto por um fortalecimento de longa duração quanto por um enfraquecimento duradouro. O resultado é a formação das memórias e a consolidação do aprendizado no cérebro.

    PARQUE DE DIVERSÕES

    Para chegar a essas conclusões, Ribeiro e seus colegas expuseram seus ratos de laboratório a uma espécie de parque de diversões –um conjunto de objetos projetados para maximizar os estímulos que os bichos acham interessantes (veja acima).

    Os animais nunca tinham tido contato com nada parecido, o que favoreceria a formação de novas memórias sobre a experiência.

    Após uma hora, os pesquisadores permitiram que os bichos caíssem no sono e sonhassem –o que foi possível monitorar porque eles tinham instalado eletrodos no cérebro dos animais.

    Com isso, Ribeiro e seus colegas flagraram o início do sono REM, caracterizado por rápidos movimentos involuntários dos olhos em humanos e correspondente aos sonhos.

    Acabou aí a alegria dos ratos, porém. Após 30 minutos de sonhos, eles foram anestesiados e sacrificados. Os pesquisadores, então, analisaram o padrão de ativação dos genes no cérebro deles.

    O resultado é que havia dois principais grupos de genes "ligados". O primeiro envolvia processos que comandam a liberação de neurotransmissores (mensageiros químicos do sistema nervoso) pelas sinapses, bem como o crescimento de "pontes" entre um neurônio e o outro.

    Já o outro grupo de genes está ligado ao desligamento desses processos –tudo de acordo, portanto, com a hipótese de "entalhamento" proposta pelos autores.
    Isso indicaria que sonhar bastante é uma receita para ampliar a inteligência? Do ponto de vista evolutivo, isso parece fazer sentido –mamíferos com fases longas de sono REM tendem a ser mais inteligentes, diz Ribeiro.

    "Mas, além da questão cognitiva, é preciso considerar o nicho ecológico. Os campeões de sono REM são animais do topo da cadeia alimentar –felinos, cães, cetáceos [baleias e golfinhos] e símios, que têm muito tempo livre e segurança para dormir", afirma o pesquisador.

    "O interessante é que o mesmo se aplica para as brincadeiras, as quais, assim como os sonhos, podem ser descritas como uma simulação da realidade."

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024