Todos concordam que a ilha de Kauai, no Havaí, foi invadida por galinhas selvagens. O mais difícil de descobrir é exatamente o que são e de onde vêm essas galinhas.

"Elas estão em todos os lugares", disse o biólogo evolucionista Eben Gering, da Universidade Estadual de Michigan.

Gering e outros cientistas estão traçando a história genética dessas aves para tentar desvendar o mistério. Há consenso de que as raças galináceas atuais descendem do galo banquiva, ave do Sudeste Asiático parente dos faisões, que foi domesticado há 7.000 anos.

Em um artigo publicado na revista "Molecular Ecology", Gering e seus colegas avançaram sobre pesquisas anteriores, como um estudo de 2010 que sequenciou os genomas de oito raças de galinhas domésticas para responder quais foram as mudanças mais marcantes que ocorreram durante a domesticação da galinha.

	Tatiane Rosa/Tatiane Rosa/Folhapress
	Galinha da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, no campus de Pirassununga

Uma das descobertas foi que todas as raças domésticas têm a mesma forma mutante de um gene que serve de modelo para um receptor de hormônios na glândula tireoide.

Pesquisas posteriores, examinando o DNA de ossos de galinha com 2.000 anos de idade, descobriram que a mutação nem sempre foi onipresente.

Especialistas dizem que as incertezas decorrem em parte do conhecimento limitado a respeito do galo banquiva selvagem. Além disso, as aves selvagens atuais podem ser diferentes das que foram originalmente domesticadas. As galinhas domésticas e os galos banquivas se cruzaram, e as aves selvagens podem ficado mais parecidas com as domésticas ao longo do tempo.

As galinhas de Kauai oferecem uma nova perspectiva –a domesticação ao contrário. Acredita-se na ilha que muitas galinhas de Kauai sejam descendentes de aves que escaparam quando os furacões Iwa, em 1982, e Iniki, em 1992, destruíram galinheiros abertos.

Um censo avícola feito anualmente pela Sociedade Audubon corrobora essa tese.

Mas a genealogia das galinhas havaianas recua até bem antes. Os polinésios chegaram ao Havaí pelo menos 800 anos atrás, trazendo galinhas muito parecidas com os galos banquivas ancestrais.

Fósseis de galinhas que datam da era polinésia foram escavados em Kauai. A partir deles, os cientistas extraíram DNA mitocondrial e usaram parte dos dados para reconstruir os caminhos da expansão polinésia.

O DNA mitocondrial de algumas dessas galinhas batia com o dos ossos de galinhas polinésias, mas a maior parte tinha o DNA de raças europeias recentes. Nem todas as galinhas ferais –ou seja, animais domesticados que voltaram ao estado selvagem– tinham a mutação no receptor de hormônios da tireoide, característico das raças domésticas modernas.

A aparência das aves também indica que os traços antigos persistem. Algumas parecem recém-saídas da granja, mas outras, com plumagem laranja e preta no caso dos galos, se parecem com os banquivas encontrados nas florestas da Índia e do Vietnã.

Dominic Wright, da Universidade de Linköping, observou que muitos dos galos cantam de um jeito mais parecido com o banquiva. Ele também observa as cristas vermelhas e moles na cabeça das galinhas. As fêmeas domésticas têm uma crista grande. As galinhas ferais de Kauai reverteram a uma forma corporal mais ancestral –têm corpo e crista menores.

Gering especulou que há poucas décadas as galinhas de Kauai se pareciam com as antepassadas trazidas pelos polinésios há vários séculos. Mas aí começaram a se cruzar com aves fugidas de granjas, ou com suas descendentes. "Achamos que é por isso que agora as vemos em todo o lugar."