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    Estudo diz por que abelhas vivem juntas

    REINALDO JOSÉ LOPES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    15/05/2015 02h05

    Qual é a receita capaz de transformar um inseto comum, de vida solitária, numa criatura que habita vastas colmeias, sacrificando sua reprodução e até a própria vida pelo grupo, como as abelhas domésticas?

    Ao que parece, muitas receitas diferentes funcionam, afirma um novo estudo, que analisou o genoma de dez espécies diferentes de abelhas (entre as cerca de 20 mil que existem no planeta) em busca de pistas sobre as origens de suas sociedades.

    Entre os insetos cujo DNA foi estudado pelos cientistas está a Melipona quadrifasciata, mais conhecida como mandaçaia – são abelhas sem ferrão presentes em boa parte do território brasileiro.

    "A vida social delas é tão complexa quanto a das abelhas domésticas, apesar das diferenças nos detalhes", diz Zilá Simões, geneticista da USP de Ribeirão Preto.

    Zilá e outros colegas do Brasil, como Klaus Hartfelder, também da USP, são coautores do estudo, em parte por causa da M. quadrifasciata, uma espécie importante para a análise, e porque os pesquisadores brasileiros já tinham participado de outros esforços para entender o DNA das abelhas, estudando o genoma da Apis mellifera (que produz a maior parte do nosso mel) e das mamangavas.

    Editoria de Arte/Folhapress

    A pesquisadora explica que há uma diversidade enorme de estilos de vida entre as abelhas. Algumas são totalmente solitárias: constroem o ninho sozinhas, botam os ovos e vão embora.

    Outras convivem em ninhos coletivos nos quais há pouca divisão de trabalho entre as moradoras. E há as de sociedades extremamente complexas, com uma única fêmea enorme se reproduzindo, no papel de rainha, e castas com outras funções.

    A comparação dos genomas dos diferentes tipos de insetos revelou que o aumento da complexidade social está associado a alterações nas regiões do DNA às quais se ligam as moléculas responsáveis por ativar e desativar genes. Nas abelhas de vida social intensa, essas áreas conseguem controlar uma rede mais complexa e interconectada de genes, diz Hartfelder.

    Já os genes propriamente ditos – ou seja, as partes do DNA que contém a receita para a produção de moléculas com papel ativo no organismo – variam relativamente menos. "Parece que o elemento mais importante é esse aumento da complexidade de redes de genes atuando juntos", afirma ele.

    O curioso é que, mesmo no caso das espécies com vida social igualmente complexa, as regiões do DNA ligadas a esse fenômeno variam bastante de um tipo de abelha para outra.

    A descoberta levou os pesquisadores a citar uma ideia do influente paleontólogo americano Stephen Jay Gould, morto em 2002. Gould dizia que, se fosse possível assistir à evolução dos seres vivos de novo, como quem vê um filme pela segunda vez, dificilmente assistiríamos ao aparecimento de formas de vida parecidas com as que já conhecemos.

    Ao menos no caso da vida social complexa dos insetos, talvez não seja bem assim, já que há muitos caminhos possíveis para chegar a ela.

    As implicações do estudo não são apenas teóricas, porém. "Um ponto muito importante, na minha opinião, é que a gente não tem como preservar o que não conhece", diz Zilá. "Esses dados nos ajudam a entender aspectos básicos da biologia das abelhas e vão facilitar o esforço de preservação."

    O que, aliás, é urgente – as colmeias estão sofrendo declínios consideráveis em várias partes do mundo, o que coloca em xeque o trabalho de polinização das lavouras, um dos principais benefícios proporcionados pelas abelhas à população humana.

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