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    Nash sempre dizia que "Uma Mente Brilhante" era mera ficção

    RICARDO MIOTO
    EDITOR-ADJUNTO DE COTIDIANO

    24/05/2015 16h31

    Foi o filme "Uma Mente Brilhante", de 2001, que deixou John Nash famoso para o público leigo. A história de vida de Nash pedia um filme: professor genial do MIT (Massachusetts Institute of Technology) já aos 30 anos, levou 20 anos para se livrar da esquizofrenia. Ele acreditava ser vigiado por uma conspiração internacional –paranoico, chegou a pedir para que cancelarem sua cidadania americana (pedido que foi ignorado). Acreditou também que era o imperador da Antártida.

    O problema é que Nash não gostava muito de falar nem do filme nem da doença –e, a partir do lançamento do filme, o matemático passou o resto dos seus anos respondendo perguntas sobre os dois assuntos. Até o Prêmio Nobel de Economia que ele ganhou em 1994 ficou em segundo plano.

    Fred Prouser/Reuters
    John Forbes Nash e sua mulher, Alicia, na cerimônia do Oscar de 2002, quando obra retratando sua vida ganhou prêmio de melhor filme
    John Forbes Nash e sua mulher, Alicia, na cerimônia do Oscar de 2002, quando obra retratando sua vida ganhou prêmio de melhor filme

    O que incomodava Nash no filme é que ele fazia as suas teorias ficassem parecendo fruto de meros insights momentâneos, e não de um rigoroso trabalho matemático. Uma das cenas mais famosas é aquela em que ele está em um bar com uns amigos. Eles estão interessados em algumas moças, e uma delas é uma loira nitidamente mais bonita que as outras. Pela economia tradicional, de Adam Smith, todos deveriam disputá-la –o melhor resultado sempre acontece quanto todos competem livremente, procurando o que é melhor para si.

    Nash saca então que essa não era a resposta. Eis o diálogo:

    Nash: "Adam Smith precisa ser revisto."

    Amigo: "Do que você está falando?"

    Nash: "Só nós todos formos atrás da loira, nós vamos nos bloquear, e nenhum de nós vai ficar com ela. Aí tentaremos as amigas, mas elas vão nos ignorar porque ninguém gosta de ser a segunda opção. Bom, e se ninguém for até a loira? Nós não vamos ficar um no caminho dos outros e não vamos insultar as outras garotas. É o único jeito de vencermos. Adam Smith disse que o melhor resultado acontece quanto todos são egoístas, certo? Foi o que ele disse, certo? Incompleto. Incompleto. Os melhores resultados acontecem quando todo mundo no grupo faz o melhor tanto para si quanto para o próprio grupo."

    Depois disso, Nash sai do bar, fascinado com a própria ideia, sem a loira nem nenhuma das outras garotas. O que ele deu foi uma explicação muito resumida da teoria dos jogos, ramo da matemática em que trabalhou e que estuda as estratégias que as partes de um determinada negociação tem de tomar para maximizar seus resultados.

    Do ponto de vista de Nash, a cena poderia parecer simplista –tanto não explicava de maneira sofisticada a sua teoria quanto fazia parecer que era tudo uma questão de ter uma sacadinha esperta no bar. Em 2010, ele veio à USP dar uma palestra e eu perguntei a ele o que achava da cena (mais um jornalista querendo saber sobre o filme...). Ele disse que era tudo invenção do roteirista. "E ele ainda ganhou um Oscar [por isso]!", brincou. Ele voltaria a falar que o filme era mera ficção em várias ocasiões.

    O que Nash talvez não estivesse levando em consideração era que o filme se dirige ao público leigo, que não têm a mesma capacidade de compreensão de abstrações matemáticas que ele. O cérebro privilegiado do americano foi bem resumido pelo físico Richard Duffin. Quando Nash queria entrar no doutorado em Princeton, pediu uma carta de recomendação a Duffin. Em geral esses documentos são longos, ponderando qualidades e eventuais deficiências do candidato. Duffin, um importante físico americano que morreu em 1996 e que não era exatamente um sujeito fácil de impressionar, achou que bastava uma frase: "Este homem é um gênio".

    Sobre a doença, Nash só dava respostas monossilábicas. Não era um assunto sobre o qual gostava de falar. Aos 86 anos, morrendo em um acidente de carro, sua morte se dá de forma tão inesperada quanto sua vida inteira.

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