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    Ocidente ataca mais o cristianismo do que o islã por covardia, diz Dawkins

    REINALDO JOSÉ LOPES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
    GABRIEL ALVES
    DE SÃO PAULO
    RICARDO MIOTO
    EDITOR-ADJUNTO DE "COTIDIANO"

    27/05/2015 02h00

    Edu Andrade/FatoPres
    O biólogo Richard Dawkins em palestra no Fronteiras do Pensamento em Porto Alegre, na segunda
    O biólogo Richard Dawkins em palestra no Fronteiras do Pensamento em Porto Alegre, na segunda

    O zoólogo britânico Richard Dawkins, 74, vem ao Brasil nesta semana para participar do ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento, cujo tema é como promover a tolerância e a cooperação no mundo de hoje. Fiel à sua verve polêmica, porém, Dawkins faz questão de ressaltar que, do seu ponto de vista, não há lugar para a religião nesse projeto.

    "As partes boas da religião podem ser justificadas por outros meios, enquanto as partes ruins, mais numerosas, têm de ser rejeitadas. Os critérios para decidir que partes aceitar e que partes rejeitar só podem ser critérios não religiosos, então o mais lógico é remover a religião do cenário de uma vez", disse o pesquisador à Folha.

    Autor do clássico de divulgação científica "O Gene Egoísta", Dawkins é capaz de explicar a teoria da evolução com clareza ímpar. No entanto, ao longo da última década, sua cruzada contra as religiões é que realmente o catapultou para o estrelato. Na entrevista abaixo, ele fala sobre a dificuldade de prever os caminhos que o processo evolutivo pode trilhar no futuro e lamenta o fato de que muitos intelectuais do Ocidente temem criticar o Islã ou se envolver com outros temas politicamente incorretos.

    *

    Folha - Há uma minoria de biólogos que defende uma grande reformulação na teoria da evolução. Eles afirmam que a transmissão de características adquiridas entre gerações, de modo vagamente "lamarckista", e a intensa troca de genes entre espécies diferentes de micróbios, não são compatíveis com o pensamento darwinista tradicional. Como o sr. vê essas ideias?

    Richard Dawkins - A chamada herança epigenética "lamarckista" tem recebido muito mais atenção do que merece. Não há boas evidências de que as características adquiridas acabem alcançando a linhagem germinativa [os óvulos e espermatozoides] por tempo indefinido, ao contrário do que acontece com as mutações verdadeiras. Os efeitos desse fenômeno, portanto, têm pouca importância evolutiva, embora sejam interessantes para a embriologia.

    Dependendo de como você define "tradicional", a troca de genes entre micróbios pode até ser incompatível com o darwinismo, mas esse fato é, na verdade, altamente compatível - jubilosamente compatível, para mim - com a versão "gene egoísta" ou "centrada nos genes" do pensamento darwinista. Quando escrevi "O Gene Egoísta" em 1976, mal podia sonhar que minhas ideias seriam confirmadas de modo tão completo pelo avanço futuro da genômica.

    A impressão que se tem é que a biotecnologia está tornando cada vez mais precisa a arte de manipular o DNA, com perspectivas de criar novos genomas praticamente do zero. É possível imaginar as consequências evolutivas dessa capacidade?

    O processo darwinista tem duas partes, a mutação e a seleção. Os seres humanos sabem há muito tempo como controlar a parte da seleção –a agricultura é exemplo disso. A biotecnologia moderna está apenas começando a entender como colocar em prática a segunda parte, a da mutação. Às vezes um gene pode ser transplantado de uma espécie para outra, na qual tem efeitos similares (como o gene "anticongelante" dos peixes árticos inserido no DNA de certos tomates).

    Mas a embriologia é um processo tão complexo que as consequências são difíceis de prever em seu todo. E as consequências e os possíveis perigos de longo prazo são ainda mais difíceis de prever.

    O tema deste ano do ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento, do qual o sr. vai participar, é "Como Viver Juntos". As religiões, das quais o sr. é um grande crítico, não teriam um papel nesse objetivo, desde que seus aspectos violentos sejam rejeitados?

    É importante incentivar a cooperação e o altruísmo, mas creio que a melhor maneira de fazer isso é por meio do ensino de princípios morais, e não pela religião. As partes boas da religião podem ser justificadas por outros meios, enquanto as partes ruins (mais numerosas) têm de ser rejeitadas.

    Os critérios para decidir que partes aceitar e que partes rejeitar só podem ser critérios não religiosos, então o mais lógico é remover a religião do cenário de uma vez. Mas não por meios violentos ou ditatoriais, claro –é preciso fazer isso de forma pacífica, conscientizando as pessoas.

    O sr. está cansado de responder a perguntas sobre religião?

    De fato, fico um pouco impaciente quando jornalistas só me fazem perguntas sobre religião. A maioria dos meus livros é sobre ciência, e há muito mais o que falar sobre ciência.

    Por outro lado, as religiões –pelo menos as religiões abraâmicas que parecem predominar no mundo– são grandes forças para o mal, tanto do ponto de vista educacional quanto do ponto de vista político, então acho que é um dever dedicar pelo menos algum tempo para debater como podemos achar uma cura para esse mal.

    Em 2013, o sr. foi duramente criticado por dizer no Twitter que havia mais ganhadores do Nobel do Trinity College, da Universidade de Cambridge, do que entre todos os muçulmanos do mundo. Muitos de seus críticos eram do meio acadêmico. O sr. acha que certos temas são tacitamente proibidos nas universidades? E por que é tão fácil para pensadores ocidentais criticarem o cristianismo, mas não o Islã?

    Fui um erro mencionar o Trinity College. A versão original da minha postagem comparava todos os muçulmanos do mundo com todos os judeus do mundo (que são muito menos numerosos e mesmo assim ganharam centenas de vezes mais Prêmios Nobel). Então achei que isso poderia ser ofensivo por causa do problema Israel/Palestina, e aí troquei "judeus" por "Trinity College". O que soou ainda mais ofensivo!

    Sim, acho que existem esses assuntos tabus, e é algo que lamento, porque as universidades deveriam ser refúgios da liberdade de expressão e da liberdade de ter pensamentos novos e potencialmente impopulares.

    Por que é mais aceitável criticar o cristianismo do que o Islã? Uma razão pode ser a mera covardia física: hoje em dia, embora não na Idade Média, extremistas muçulmanos são mais violentos do que extremistas cristãos.

    Mas acho que outra razão, menos respeitável, é o medo liberal de ser considerado racista. É preciso, porém, repetir que o Islã não é uma raça. Qualquer coisa que aceita convertidos ou tem apóstatas não é uma raça!

    Seu livro mais recente é uma autobiografia. Ele mudou de alguma forma a maneira como o sr. vê sua vida? Se pudesse voltar no tempo, o que faria de diferente?

    Foi interessante ter esse olhar sobre o passado e conversar com minha mãe, que tem 96 anos, sobre memórias da minha infância. O que eu faria de diferente? Não tenho certeza, mas acho divertido citar o poeta John Betjeman. Quando perguntaram a ele se estava arrependido de alguma coisa sobre sua vida, sua resposta imediata e sem hesitação foi "não fiz sexo o suficiente".

    Como as forças da seleção natural estão atuando sobre a espécie humana hoje? É possível dizer que a evolução humana, em certo sentido, chegou ao fim?

    É verdade que muitas das pressões da seleção natural que levaram à nossa evolução hoje são menos "afiadas": a medicina moderna faz com que hoje seja difícil morrer sem se reproduzir antes, caso você queira. As diferenças em relação a esse fator –a vontade de se reproduzir– são hoje mais importantes do que diferenças na capacidade de sobreviver por tempo suficiente para conseguir se reproduzir. Se existir um componente genético por trás dessas diferenças, temos seleção natural, por definição.

    Mas as pressões seletivas que surgem daí provavelmente são transitórias demais para terem significado evolutivo. Você tem de lembrar que a evolução ocorre ao longo de centenas de milhares de anos, enquanto as forças culturais que determinam coisas como o desejo de ter filhos mudam numa escala de tempo de décadas. Não acho que a evolução humana chegou ao fim, mas as forças que a propelem hoje são menos fáceis de entender. Não se encaixam mais no significado original da palavra "aptidão".

    O que o sr. tem lido? Quais os pensadores contemporâneos que o influenciam?

    Steven Pinker [psicólogo da Universidade Harvard], Daniel Dennett [filósofo da Universidade Tufts].

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