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    Europeus atuais surgiram a partir da Ucrânia, diz estudo

    REINALDO JOSÉ LOPES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    11/06/2015 02h05

    Os ancestrais mais importantes dos europeus de hoje são um obscuro grupo de cavaleiros seminômades da atual Ucrânia, indicam dois estudos publicados hoje. As pesquisas, que se valeram de análises de DNA, sugerem que esse povo se expandiu de forma explosiva para o oeste a partir do ano 3000 a.C., dando origem a boa parte da população da Europa atual.

    Com os achados, publicados na edição desta quinta (11) da revista científica "Nature", um debate com mais de 200 anos de idade ganha sangue novo. É que, desde o fim do século 18, os especialistas sabem que quase todas as línguas europeias e vários idiomas da Ásia, de Portugal até a Índia, provavelmente têm uma origem comum.

    Natalia Shishlina
    Crânio de indivíduo da cultura Yamnaya, da Ucrânia
    Crânio de indivíduo da cultura Yamnaya, da Ucrânia

    O tataravô hipotético dessas línguas é conhecido como protoindo-europeu. A ideia é que os falantes originais desse idioma teriam se espalhado pelos quatro cantos da Europa e da Ásia, misturando-se à população nativa, o que levou à diferenciação dos vários ramos da família linguística indo-europeia, como o germânico (que inclui o inglês e o alemão), o itálico (do português) e o balto-eslavo (do russo).

    No entanto, ninguém ainda tem certeza de quando e onde os falantes dessas línguas teriam surgido. Duas hipóteses dividem os especialistas.

    A primeira propõe que os idiomas indo-europeus são um legado dos agricultores primitivos da atual Turquia e adjacências. Uns 9.000 anos atrás, o crescimento da população graças à produtividade agrícola teria levado grupos da região a migrar, e os antigos caçadores-coletores da Europa foram substituídos pelos recém-chegados ou se uniram a eles.

    Outra proposta aponta como lar dos indo-europeus as estepes do mar Negro, na Ucrânia e regiões vizinhas. Foi ali que os seres humanos domesticaram o cavalo pela primeira vez e inventaram carroças puxadas por ele.

    Isso teria dado às tribos da área mais mobilidade e vantagens bélicas, já que cavaleiros quase sempre derrotam guerreiros a pé, turbinando assim sua expansão.

    Segundo essa ideia, os moradores da estepe teriam se expandido a partir de uns 5.000 anos atrás. A primeira hipótese era a preferida dos geneticistas até agora, enquanto a segunda tem mais adeptos entre os linguistas, que foram os primeiros a investigar a origem dos indo-europeus.

    GENOMAS DO PASSADO

    Os novos estudos têm potencial para destravar o debate porque, no total, eles analisaram quase 200 genomas de europeus e asiáticos pré-históricos, um feito que pareceria impossível um ou dois anos atrás.

    Eske Willerslev e seus colegas da Universidade de Copenhague (Dinamarca) foram os que obtiveram mais amostras de DNA (110 indivíduos), e também os dados mais completos, já que a equipe escandinava "leu" genomas inteiros.

    Já o time de David Reich, da Universidade Harvard (EUA), analisou o DNA de menos gente, com menos detalhes, mas seus dados abrangem uma região maior, que inclui a Espanha e a Itália - os de Willerslev se referem sobretudo ao norte, centro e leste da Europa.

    O resultado das duas análises, porém, bate: quase todos os europeus devem parcela considerável de seu genoma ao povo da chamada cultura Yamnaya, a dos cavaleiros ucranianos. Cerca de metade do DNA dos tchecos, ingleses e franceses, por exemplo, deriva desse grupo, calculam Reich e companhia.

    O resto do DNA dos europeus modernos deriva, segundo as pesquisas, dos caçadores-coletores que ocuparam a região na Idade da Pedra e de uma onda de migrantes ligada às origens da agricultura no Oriente Próximo, mais antiga que o povo dos cavaleiros.

    Por enquanto, um dos calcanhares-de-aquiles das pesquisas é o sul da Europa. Os gregos, por exemplo, são o mais antigo grupo indo-europeu na região. Se fosse possível demonstrar um elo entre eles e a cultura Yamnaya, o caso poderia ser dado como encerrado. "Infelizmente, a esse respeito, só podemos especular por enquanto", disse à Folha Martin Sikora, um dos coautores do estudo dinamarquês. "O mais perto que chegamos é o DNA de dois indivíduos de Montenegro [antiga Iugoslávia], que têm afinidades com o povo de Yamnaya. É algo que queremos investigar no futuro."

    A análise mostrou ainda que traços como pele e olhos claros são bastante antigos no continente, existindo milênios antes da chegada dos conquistadores ucranianos.

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