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    Brancos do Sul e Sudeste carregam nos genes pistas sobre o tráfico negreiro

    REINALDO JOSÉ LOPES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    30/06/2015 02h00

    Um dos mais completos estudos genéticos já feitos sobre os ancestrais dos brasileiros mostra que, apesar do predomínio do DNA europeu, até os brancos do Sul e do Sudeste carregam em seus genes pistas sobre o tráfico negreiro.

    A análise não envolveu gente do Brasil todo –foram estudados voluntários de Salvador (BA), Bambuí (MG) e Pelotas (RS). Mas, com 6.487 participantes e 30 genomas humanos totalmente "lidos", a pesquisa conseguiu ter uma visão aprofundada dos genomas africanos, indígenas e europeus que se mesclaram para formar a atual população brasileira.

    Coordenado por Eduardo Tarazona-Santos, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), o estudo saiu na edição desta segunda (29) da revista científica "PNAS". Tanto na cidade gaúcha quanto na mineira, mais de três quartos do genoma dos moradores deriva de ancestrais europeus. Só em Salvador a situação é mais equilibrada, com 50,8% de contribuição genética africana e 42,9% europeia (veja infográfico).

    A desigualdade fica ainda mais clara quando se considera a proporção relativamente baixa de ancestrais indígenas em todos os lugares. "A gente estima que essa contribuição dos índios aconteceu imediatamente após a conquista, e não gradualmente", conta Tarazona-Santos.

    Outro exemplo dessa assimetria é o fato de que, quando se olha apenas os genes passados pelo lado materno, do DNA mitocondrial (presentes nas mitocôndrias, usinas de energia das células), o legado das mulheres indígenas e negras é muito mais acentuado. Ou seja, homens europeus frequentemente se casavam com elas, mas mulheres europeias raramente tinham parceiros negros ou indígenas.

    As análises de DNA mostram ainda que, apesar da mestiçagem, o que predominou ao longo dos séculos foram as uniões entre pessoas com ancestralidade parecida. "O Brasil nunca teve segregação como os Estados Unidos, mas nem por isso a mistura foi totalmente harmônica aqui", resume o pesquisador da UFMG.

    SALVADOR, CAPITAL DO ALABAMA

    Para o coordenador do estudo, um dos resultados mais interessantes da análise é a possibilidade de enxergar com clareza a diferença entre as pessoas de origem africana do Nordeste, de um lado, e as do Sul e do Sudeste, de outro. Desse ponto de vista, é quase como se Salvador fosse a capital do Alabama.

    Isso porque, na metrópole baiana, cerca de 80% da contribuição genômica negra teria vindo da África Ocidental, proporção que é muito parecida com a vista entre negros dos EUA. Por outro lado, as amostras mineira e gaúcha indicam que cerca de 40% dos genes africanos teriam sido legados por gente de Moçambique e áreas vizinhas da África Oriental, do outro lado do continente.

    Além disso, como são relativamente raros os estudos genéticos com as populações do leste da África, avaliar o DNA dos brasileiros do Sul e Sudeste, mesmo o dos brancos com algum grau de mestiçagem, traz pistas sobre os grupos africanos.

    "Os americanos são loucos para estudar Moçambique, mas um jeito mais simples de chegar a essas populações é analisar o pessoal do sul do Brasil", diz ele.

    Não se trata, porém, de mera curiosidade histórica. Tarazona-Santos explica que, entre as variantes genéticas estudadas, algumas estão ligadas a doenças como esclerose múltipla e doença de Crohn (uma inflamação do sistema digestivo) e são diferentes dependendo da região de origem na África.

    "Isso significa que, até no caso da susceptibilidade a doenças complexas, um negro do Nordeste e outro do Sul do Brasil podem ser bem diferentes", diz ele.

    O estudo dessas variantes também indica que, apesar do preconceito ainda associado à origem africana no Brasil, carregar genes exclusivamente europeus pode ter desvantagens para a saúde. É que, ao que parece, a concentração de mutações potencialmente nocivas no DNA é mais comum entre gente de origem não africana.

    Isso provavelmente acontece porque, quando os primeiros seres humanos modernos deixaram a África, eles eram poucos, com apenas uma parcela da diversidade genética existente no continente africano. Reproduziram-se, então, a partir desse pequeno grupo, como se fossem uma família na qual primos se casam entre si, o que tende a concentrar as mutações "ruins". A análise do DNA dos brasileiros confirmou essa tendência.

    Editoria de Arte/Folhapress

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