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    Peixe misterioso é vertebrado mais abundante do planeta

    WILLIAM J. BROAD
    DO "NEW YORK TIMES"

    11/07/2015 02h00

    Os habitats terrestres –florestas, estepes, desertos, campos– compõem menos de 1% da biosfera do planeta. Por que tão pouco? A faixa ocupada pela vida é estreita. O solo fértil tem apenas cerca de um metro de espessura, e mesmo as árvores mais altas não ultrapassam 90 metros de altura.

    A água é outra história. Ela cobre mais de 70% da superfície do planeta e pode ter quilômetros de profundidade. Os cientistas acreditam que o oceano ocupe mais de 99% da biosfera.

    Os pescadores conhecem as águas superficiais, e os exploradores, as águas mais profundas. De modo geral, em comparação com a terra, o oceano nos é desconhecido.

    Isso ajuda a explicar por que apenas recentemente cientistas perceberam que o "bristlemouth" –peixe das profundidades médias que brilha no escuro e tem abertura bucal extraordinária, com dentes que lembram agulhas– é o animal vertebrado que existe em maior número no mundo.

    "Os bristlemouths estão por toda parte", disse Bruce H. Robison, biólogo marinho do Instituto de Pesquisas do Aquário de Monterey Beach, na Califórnia. "Todo o mundo está de acordo nisso."

    Pelos padrões humanos, o bristlemouth ("boca de cerdas", em inglês) é minúsculo, menor que um dedo humano. Porém, seu tamanho diminuto é compensado por seu número espantoso, além de alguns truques comportamentais.

    O bristlemouth nasce macho e, em alguns casos, torna-se fêmea ao longo da vida. Os cientistas o descrevem como protândrico, ou seja, um hermafrodita que começa como macho.

    John C. Avise, autor de "Hermaphroditism", disse que o bristlemouth macho adulto tende a ser menor que a fêmea e apresenta olfato mais desenvolvido, aparentemente para ajudá-lo a encontrar parceiras no escuro.

    "Esses peixes vivem em um ambiente de acesso difícil", disse Avise, razão pela qual pouco é sabido sobre seu comportamento.

    Embora as informações disponíveis sobre os bristlemouths sejam incompletas, os cientistas sabem o suficiente para afirmar que ele supera de longe todos os outros candidatos ao título de vertebrado mais comum do planeta.

    Ictiólogos estimam que existam centenas de trilhões de bristlemouths –possivelmente quatrilhões.

    Os bristlemouths são uma família de peixes vorazes que inclui o gênero altamente bem-sucedido Cyclothone. O nome vem de "circular" em grego e é uma referência à grande boca aberta desses peixes, também conhecidos em inglês como "roundmouths".

    O gênero Cyclothone inclui 13 espécies. As principais características que as distinguem são diferenças sutis nas barbatanas e nos órgãos luminosos. Todos os membros do gênero têm dentes que lembram cerdas ("bristles", em inglês). Os peixes medem entre 2,5 cm e 7,5 cm, sua coloração varia entre preta e castanha e às vezes eles exibem uma translucidez fantasmagórica.

    Os primeiros sinais da onipresença do bristlemouth foram vistos durante a viagem do H.M.S. Challenger, navio britânico que percorreu os mares entre 1872 e 1876 e ajudou a deitar as bases da oceanografia. Os cientistas a bordo jogaram redes no mar em dezenas de pontos e trouxeram à tona criaturas de até 5.000 metros de profundidade.

    O primeiro cientista a ver os animais em seu habitat escuro foi William Beebe. No início da década de 1930, Beebe, explorador da atual Wildlife Conservation Society, mergulhou ao largo de Bermuda em um submersível esférico, olhou pelo escotilho e viu "alienígenas".

    Em seu livro de 1934 "Half a Mile Down", escreveu: "Inúmeras criaturinhas" corriam de um lado a outro em seu feixe de luz. Eram os bristlemouths. Uma ilustração colorida no livro mostra um grupo com boca muito aberta enquanto persegue um cardume de copépodes, crustáceos minúsculos com antenas compridas.

    Os livros didáticos de oceanografia dos anos 1970 aos 1990 diziam pouco sobre os peixes do gênero Cyclothone. Então começou uma nova onda de pesquisas baseadas na exploração do oceano profundo, usando uma nova geração de redes de malha muito mais fina. Fosse qual fosse a profundidade à qual as redes chegavam, elas sempre traziam para cima muitos bristlemouths.

    O biólogo Robison disse que os bristlemouths têm olhos muito pequenos que, no habitat semiescuro, parecem exercer pouco ou nenhum papel na localização de presas. Parece que, em vez disso, os peixinhos se guiam por órgãos sensoriais capazes de detectar movimentos e vibração na água.

    Levou um século e meio, mas finalmente a ciência conseguiu conhecer o bristlemouth bastante bem, embora ainda restem perguntas. O mesmo não se pode dizer de outros animais das profundezas. Se o caminho tortuoso que levou à identificação do peixe dominante for qualquer indicativo, será preciso esperar ainda mais para conhecer todas as formas incomuns de vida que passeiam pelas profundezas.

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