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    Ignoramos riscos elevados e nos preocupamos com bobagens, diz livro

    RICARDO MIOTO
    EDITOR-ADJUNTO DE "COTIDIANO"

    02/08/2015 02h00

    Nossos medos são pouco racionais ante as estatísticas. Veja o 11 de setembro. Ele matou 3.000 pessoas e deixou milhões atemorizadas.

    Uma das consequências é que os americanos ficaram com medo de andar de avião e fizeram mais viagens de carro, que é menos seguro. Isso resultou em 1.500 mortes "extras" em estradas, quase metade das vidas perdidas nos atentados, mas ninguém defendeu ir à guerra por isso.

    Michael Blastland e David Spiegelhalter, autores de "Viver é perigoso?", lançado pela Três Estrelas, selo do Grupo Folha, argumentam que estatísticas são inúteis se sentimentos humanos não são considerados.

    Veja esse fortíssimo sentimento: a vontade de comer coisas gordas. É muito bem estabelecido que se alimentar mal reduz a expectativa de vida. Mas o que fazemos nós? Com frequências decidimos que é melhor comer um sanduíche de bacon de vez em quanto do que chegar aos 110 anos babando farelo integral, como brincam os autores.

    Morremos de medo de coisas pouco arriscadas. Pais zelosos tomam cuidados até desnecessários com a saúde dos filhos –e a culpa se algo acontecer? Por outro lado, com frequência somos relapsos com cenários em que muita gente morre, como estando bêbado.

    Em poucas áreas, porém, a dificuldade para conciliar estatística e emoções é tão grande quanto no sexo. Para começar, os dados sobre o tema são delicados. "A chance de contrair uma doença depois de um encontro sexual não é um número que autoridades de saúde gostam de divulgar", dizem os autores.

    O motivo é simples: os valores soam baixos. A chance de um homem heterossexual contrair Aids de uma mulher contaminada numa relação desprotegida é de 0,05% –uma em cada 2.000.

    O ponto, como explicam os autores, é que dizer que certo risco é só um em um milhão não adianta nada para quem é o um. Além disso, um em cada 2.000, em uma cidade com milhões, significa muitas contaminações ao dia.

    Pense ainda que o risco de um em 2.000 não é baixo. É a chance de morrer ficando dez minutos em um bombardeiro em combate na Segunda Guerra –não parece que muita gente toparia embarcar.

    O risco de uma mulher heterossexual é duas vezes maior do que o masculino, em função do depósito de esperma. Sexo anal receptivo é dez vezes mais arriscado.
    Sexo têm ainda outros riscos, como ataque cardíaco. Um em cada 45 enfartados morre assim –inclusive dois papas...

    Claro que ninguém vai deixar de fazer sexo por medo do coração, mas por que as pessoas se expõem tanto a DSTs ou filhos indesejados? Primeiro, porque o desejo de fazer sexo é instintivo, e as planilhas dos estatísticos não são.

    Viver É Perigoso?
    Michael Blastland e David Spiegelhalter
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    Segundo, porque a exposição ao perigo faz a pessoa pegar confiança. É o famoso "viu, não aconteceu nada" que sucede o teste de gravidez e instiga a repetição do ato irresponsável –até que uma hora a casa cai.

    Até a noção de estar no controle, que nos faz assumir riscos, sendo o mais comum preferir carros a aviões, é estúpida.

    Um piloto profissional tende a ser muito mais capacitado do que motoristas amadores para evitar barbeiragens. Nenhum paciente ansioso interromperia seu cirurgião e diria "dá aqui, deixa que eu faço". No caso do piloto, aliás, é pior: até dá para argumentar que o paciente tem mais a perder do que o médico, sendo mais cuidadoso, mas a tripulação não é poupada se um avião cai

    ADAPTAÇÃO

    A boa notícia é que o mundo está menos arriscado. No Reino Unido, o hospital mais seguro no começo do século 19 tinha quatro mães mortas a cada cem partos. Mais perigoso do que lutar no Afeganistão. Em Viena, o valor ia a 18 –os médicos não lavavam as mãos. Hoje, a taxa britânica é de uma morte a cada 12 mil. No Brasil, uma a cada 1.500.

    Certo nível de risco, porém, sempre haverá. Primeiro porque há coisas fora do controle, como um asteroide cair na nossa cabeça –uma chance por milhão por semana.

    Além disso, humanos se adaptam a menos risco. Se os carros ficam mais seguros, mais confiantes motoristas ficam para relaxar o cuidado e correr, "jogando o risco aos pedestres, que não têm airbag".

    É como diz a piada: a melhor mecanismo de segurança no trânsito seria um espeto na coluna de direção apontada para o peito do motorista.

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    Divulgação
    Capa do livro Viver é Perigoso

    Viver é perigoso?

    • AUTORES: Michael Blastland e David Spiegelhalter
    • EDITORA: Três Estrelas
    • QUANTO: R$ 45 (416 págs.)

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