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    Análise

    Por que desconfiar de artigos científicos

    GABRIEL ALVES
    DE SÃO PAULO

    24/08/2015 02h01

    Nos últimos tempos o mundo científico tem passado por uma crise ética com a erupção de uma série de casos de fraude, como adulteração de resultados e até mesmo plágio de artigos.

    O fenômeno não é só brasileiro, mas mundial. Um dos casos emblemáticos é o da pesquisa liderada pela cientista japonesa Haruko Obokata.

    Ela poderia ter ganhado o Nobel, se seus trabalhos não fossem fraudes: seria possível criar células-tronco de uma maneira fácil, recorrendo apenas ao estresse mecânico e alterando a acidez do líquido nutritivo fornecido às células.

    Os trabalhos haviam sido publicados pela revista "Nature" e depois foram retratados.

    Seria revolucionário, de fato. A desdiferenciação celular –transformação de células ordinárias, como as do fígado ou da pele, em células-tronco– é uma das apostas das ciências biomédicas para futuros tratamentos de doenças como infarto, alzheimer e diabetes.

    Os cientistas japoneses, no entanto, foram pegos pela mania de grandeza. Em uma área com grande impacto na medicina, era óbvio que alguém iria testar o que estava ali descrito e questionar o porquê de não conseguir replicar os resultados.

    Em trabalhos com menos impacto, os erros –intencionais ou não– às vezes nunca são encontrados.

    Em artigos de biologia molecular, muitas vezes o problema são as imagens apresentadas –algumas manchas em papeis que permitem inferir a quantidade de uma determinada proteína em amostras biológicas, por exemplo.

    Manchas mais escuras, mais proteína; menos escuras, menos proteína. É fácil fabricar resultados de acordo com o que se deseja mostrar –por isso o artigo científico pressupõe, acima de tudo, que há honestidade em quem o escreve.

    Antes da publicação em uma boa revista, o artigo quase sempre é lido e avaliado por um ou mais revisores. Os resultados podem ser questionados e contraprovas podem ser solicitadas, mas quase nunca os experimentos serão repetidos.

    Dessa forma, desconsiderando a barreira moral, todos os cientistas são fraudadores em potencial: eles sabem o que as revistas querem e o que vai fazer um trabalho saltar aos olhos de seus colegas.

    No entanto, quase nunca compensa arriscar a carreira por reconhecimento internacional instantâneo e um bom punhado de citações.

    Nesse sentido fraudes em artigos não são diferentes de outras formas de corrupção: só valeria a pena se a desonestidade fosse pequena o suficiente para ninguém perceber.

    Erros e fraudes estão acontecendo a todo instante, e o único juiz em que se pode confiar é o tempo. O conselho para cientistas, jornalistas e o público em geral não comprarem gato por lebre é o mesmo que se dá para investidores: nunca aposte suas fichas em um único trabalho (ou em um único cientista).

    Pelo menos não imediatamente.

    Infográfico: Picaretagem Acadêmica

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