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    Fóssil de mandíbula leva à descoberta de bicho cujos parentes estão na Ásia e África

    REINALDO JOSÉ LOPES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    07/09/2015 16h48

    Julius Csotonyi
    Ilustração do réptil de 80 milhões de anos descoberto no interior do Paraná
    Ilustração do réptil de 80 milhões de anos descoberto no interior do Paraná, que media cerca de 20 cm

    Se ainda estivesse vivo, o réptil de 80 milhões de anos descoberto no interior do Paraná não seria mais impressionante do que um mero calango, medindo uns 20 cm, no máximo. Mas o simples fato de ele ter sido descoberto no Brasil já equivale a um enigma evolutivo.

    É que, até hoje, parentes do lagarto só tinham sido achados do outro lado do oceano, na África e na Ásia. É como se, de repente, fósseis de rinoceronte fossem desenterrados numa caverna da Chapada Diamantina (esses bichos, até onde se sabe, nunca puseram os cascos na América do Sul).

    A descoberta do paleocalango, ou Gueragama sulamericana, como foi batizado formalmente, está descrita em artigo na revista científica "Nature Communications". Entre os pesquisadores que participaram do estudo estão Everton Wilner e Luiz Weinschütz, da Universidade do Contestado (SC), e Alexander Kellner, do Museu Nacional da UFRJ.

    O bicho, além de ter sido encontrado do lado "errado" do Atlântico, também chama a atenção simplesmente por ser um lagarto que viveu na Era dos Dinossauros -são raríssimas as descobertas de fósseis desse tipo para o período, tanto na América do Sul quanto nas outras regiões que formavam o antigo supercontinente de Gondwana (que englobava ainda África, Austrália, Índia, Antártida e Madagáscar).

    Ocorre que o tamanho modesto do bicho dificulta a identificação, explica Wilner. "Estamos falando de uma mandíbula de 1,8 cm. O nosso olho não está treinado para filtrar coisas tão pequenas. É mais um bom motivo para dar uma olhada mais a fino nos sedimentos que estudamos, porque coisas importantes como essa podem acabar passando", diz ele.

    CAMALEÕES E IGUANAS

    O animalzinho pertence a uma subdivisão do grupo Iguania, um dos mais diversificados entre os répteis atuais, com mais de 1.700 espécies vivas. Entre os Iguania existem, de um lado, os bichos das Américas, que incluem as iguanas propriamente ditas e inúmeros outros lagartos; e, de outro, as espécies do Velho Mundo, como os camaleões.

    Uma das principais diferenças entre esses dois grandes subgrupos está na boca. Os da África e da Ásia possuem dentes que são soldados diretamente nos ossos da boca, sem "buraquinhos" especiais (os alvéolos) como ponto de encaixe. Já do lado de cá do Atlântico temos os Iguania com dentes menos esquisitos (com alvéolos).

    Pois bem: o Gueragama sulamericana segue o padrão dentário das formas do Velho Mundo. Esses e outros detalhes de sua mandíbula levaram os pesquisadores brasileiros a incluí-lo no grupo típico de além-mar.

    Apesar da esquisitice na boca, o animal provavelmente levava uma vida típica de calango, andando pela região árida que predominava no interior paranense de então (era o chamado deserto Caiuá, com muita areia e alguns oásis) e comendo o que pudesse encontrar –provavelmente invertebrados, em geral.

    Ainda não é possível saber se o grupo do G. sulamericana se originou na América do Sul primitiva, espalhou-se pelo resto das regiões de Gondwana e depois se extinguiu por aqui ou se, por outro lado, seus ancestrais fizeram uma breve incursão pelo futuro território brasileiro, vindos da África ou da Índia, antes de o grupo desaparecer por estar paragens.

    De qualquer modo, essa e outras descobertas, como uma grande concentração de fósseis de pterossauros, estão colocando a região de Cruzeiro do Oeste (PR) no mapa da paleontologia nacional. A área só começou a ser explorada em 2012. "Também há pegadas de dinossauros. Vamos ver", diz Wilner.

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    COMO VOCÊ FOI PARAR AÍ?
    Fóssil brasileiro é "primo" de espécies do Velho Mundo

    Onde fica
    Espécime foi achado em Cruzeiro do Oeste (PR), local onde havia um deserto na Era dos Dinossauros. Na época, a configuração dos continentes era diferente da atual

    Idade
    80 milhões de anos

    Editoria de Arte/Folhapress

    O fóssil
    Mandíbula esquerda medindo 18 mm (A), além de fragmentos do maxilar (B), e dentes (C)

    O mistério
    O grupo Iguania é um dos mais importantes e diversificados entre os répteis atuais. Ele se divide em:

    > Formas do Velho Mundo (como os camaleões, presentes na África e no sul da Europa, por exemplo)

    > Formas das Américas, como as iguanas

    O mistério é que a nova espécie fóssil é aparentada aos bichos do Velho Mundo. Pode ser que o grupo tenha surgido na América do Sul, espalhando-se pelo mundo e se extinguindo por aqui mais tarde.

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