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    Nova espécie do gênero humano é descoberta na África do Sul, dizem pesquisadores

    REINALDO JOSÉ LOPES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    10/09/2015 08h01

    Mark Thiessen/National Geographic/Associated Press
    Reconstrução mostra como seria o rosto do hominídeo
    Reconstrução mostra como seria o rosto do hominídeo

    Imagine ficar frente a frente com alguém que tem mãos, pernas e pés idênticos aos de todas as outras pessoas que circulam pela rua, mas cuja cabeça abriga um cérebro diminuto, do tamanho do de um gorila. Esse, em resumo, é o mistério com que se defrontaram paleoantropólogos da África do Sul ao descobrir fósseis de uma nova espécie de primo extinto do ser humano, batizada Homo naledi.

    Por um lado, a descoberta da criatura é um triunfo dos estudos sobre evolução humana. Havia ossos de mais de 15 indivíduos numa câmara das cavernas conhecidas como Rising Star ("estrela em ascensão", em inglês), na província sul-africana de Gauteng. Ambos os sexos e diversas faixas etárias estão representados, o que vai permitir que os cientistas estudem em detalhes como o H. naledi viveu e morreu.

    O problema é que, por enquanto, é difícil não ficar perplexo com os enigmas ligados a esse tesouro fossilizado. Ninguém ainda faz a menor ideia de como encaixar a nova espécie no álbum de família da espécie humana, por exemplo. E os autores da descoberta não conseguiram datar os fósseis com precisão, outro entrave para entender seu significado evolutivo.

    Infográfico: Homo nadeli

    Editoria de arte/Folhapress

    MODÉSTIA E ESTRELATO

    O estudo descrevendo os fósseis foi coordenado por Lee Berger, da Universidade do Witwatersrand (África do Sul), e John Hawks, da Universidade de Wisconsin em Madison (EUA). Em geral, achados com esse impacto saem nas revistas científicas mais importantes do mundo, como a "Science" ou a "Nature", mas o grupo acabou publicando seu trabalho numa publicação digital de acesso livre relativamente modesta, a "eLife".

    Apesar disso, a descoberta já atraiu elogios de alguns dos principais pesquisadores da área, como o britânico Chris Stringer, do Museu de História Natural de Londres. Ao batizar a espécie, os antropólogos escolheram a palavra "naledi", que significa "estrela" na língua africana sotho.

    Um dos principais motivos para o estrelato é o mosaico único de características da espécie, com traços considerados modernos e arcaicos. De estatura modesta (um adulto mediria pouco menos de 1,50 m), o H. naledi podia andar, correr e manipular objetos com tanta eficiência quanto uma pessoa de hoje.

    Ao mesmo tempo, além do cérebro com apenas um terço do tamanho do nosso, a espécie tinha dedos das mãos fortemente curvados, como os dos grandes macacos –normalmente, isso seria uma adaptação para a vida nas árvores, o que soa estranho se o hominídeo estava mesmo capacitado a andar e correr como seus primos modernos.

    De qualquer maneira, os dedos, ainda que longos e curvos, também estavam equipados com "almofadinhas" na ponta, um traço típico dos humanos atuais que facilita o manuseio fino de objetos e que não é encontrado nos grandes macacos.

    Na verdade, esses enigmas também estão presentes na anatomia de outras espécies arcaicas do gênero Homo, ao qual pertence o ser humano atual, e que inclui também o Homo habilis (supostamente o primeiro a fabricar ferramentas de pedra, daí o nome) e muitos exemplares do Homo erectus, que teria iniciado a dispersão dos hominídeos para fora da África.

    Há dúvidas na comunidade científica sobre as características que justificam a classificação nesse gênero e, para alguns cientistas, seria mais lógico o "rebaixamento" de certos espécimes para outros gêneros. Não está claro onde a nova espécie se encaixa nesse cenário confuso, embora Stringer, por exemplo, veja semelhanças entre ela e certos espécimes de H. erectus mais baixinhos encontrados na Geórgia, perto da Rússia.

    O que não ajuda muito, além disso, é o fato de Berger e companhia não terem conseguido datar os fósseis. Se eles tiverem mais de 2 milhões de anos, podem virar sérios candidatos a membros mais primitivos do gênero Homo e ancestrais diretos do homem. Mas também podem ser mais recentes e, nesse caso, poderiam ser vistos como sobreviventes africanos de uma fase arcaica da evolução humana. Por enquanto, é cedo para bater o martelo, embora o cenário geral indique que a nossa linhagem passou por diversos experimentos evolutivos simultâneos, sem uma progressão simples de uma forma para outra.

    CIDADE DOS MORTOS?

    Um mistério à parte é a própria concentração de tantos corpos de hominídeos numa única câmara rochosa a cerca de 30 metros de profundidade. Durante uma entrevista coletiva nos EUA, alguns dos autores do estudo propuseram que se tratava de um comportamento ritual –os membros da espécie teriam desenvolvido o hábito de sepultar seus companheiros ali, em outras palavras.

    A proposta tem potencial revolucionário porque, para a maioria dos especialistas, rituais funerários só surgiram de fato com a ascensão dos seres humanos modernos e sua expansão para fora do continente africano, a partir de uns 100 mil anos atrás.

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