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    Foi prematuro terem me dado um prêmio Nobel, diz Eric Betzig

    DÉBORA ANDRADE
    DA EDITORIA DE TREINAMENTO

    01/10/2015 02h00

    Para o ganhador do Nobel de Química do ano passado, seu prêmio foi prematuro.

    "Com a microscopia de super-resolução, nós ainda não desvendamos um problema-chave em biologia que não pudesse ter sido abordado através de outros métodos", diz o americano Eric Betzig.

    O comitê do Nobel justificou o prêmio por possibilitar o avanço da investigação da pesquisa sobre Alzheimer e Parkinson. No entanto, críticos apontam que não deu uma contribuição que não pudesse ter sido feita pelos métodos mais tradicionais —e Betzig concorda.

    Veja abaixo a entrevista que ele deu à Folha.

    *

    Folha - O senhor disse que a microscopia de super-resolução ainda não trouxe grandes contribuições para a biologia celular. Teria então o prêmio Nobel sido precipitado?

    Eric Betzig - Eu acho que o prêmio foi prematuro. Com a microscopia de super-resolução, ainda não desvendamos um problema-chave em biologia que não pudesse ter sido abordado por outros métodos. Nós aprendemos muito e já otimizamos bastante a técnica, mas ainda é cedo.

    Como o senhor se sente, então, com relação ao prêmio?

    Num certo sentido, se eu não tivesse ganhado o prêmio Nobel, minhas críticas sobre as limitações de diversos métodos de microscopia seriam vistas apenas como amargura. Mas porque eu ganhei o prêmio, as pessoas têm interesse em ouvir o que eu tenho a dizer.

    Então a melhor parte de ter o Nobel é que as pessoas se interessam em ouvi-lo?

    Exatamente. Mas isso quer dizer também que você tem que ter um cuidado danado com o que você tem a dizer. Não vou fazer como outros laureados que assinam, por exemplo, declarações sobre as mudanças climáticas.

    Isso porque eu não vou colocar o peso do meu nome em algo em que eu não tenho conhecimento científico suficiente. E parece que querem que usar sua reputação em todas as causas.

    Infográfico

    Como nasceu a ideia do microscópio?

    Tive a ideia quase dez anos antes, enquanto empurrava o carrinho de bebê da minha filha. Foi logo após eu estar frustrado e ter pedido demissão do laboratório em que trabalhava. Eu escrevi um artigo com a ideia, mas não sabia como colocá-la em prática. Depois de um tempo ouvi falar da proteína verde fluorescente, aí funcionou.

    E foi construído na casa do seu melhor amigo enquanto estavam ambos desempregados...

    Harald tinha muitos instrumentos de óptica guardados em casa. Ele não era casado, então escolhemos a casa dele. Tivemos que colocar dinheiro próprio. O processo levou pouco mais de seis meses. Foi um golpe de sorte incrível.

    Algumas pessoas veem golpes de sorte como a divina providência. Qual é sua visão?

    Sou agnóstico, tendendo ao ateísmo. É como disse o velho Pascal —ou outro desses caras—, a sorte favorece os preparados. É a tal frase: "Trabalhar bastante determina se você vai ter sucesso na vida; a sorte, no quê".

    Editoria de arte/Folhapress

    O senhor mencionou bastante Hess em sua palestra na entrega do prêmio Nobel.

    Ele é meu melhor amigo, além de ser o mais inteligente físico experimental que já conheci. Harald fez contribuições-chave que culminaram em três prêmios Nobel: pelo condensado de Bose-Einstein, pela rede de vórtices de Abrikosov e pelo nosso.

    Ficou de fora de todos porque é muito humilde e não é um palestrante dinâmico. Parece que na ciência há um bônus para os que são bons comunicadores, em detrimento da qualidade do trabalho.

    O que esperar da microscopia de super-resolução no futuro?

    Precisamos conseguir observar em detalhes a célula viva dentro de seu meio natural. É aí que os processos celulares mais fundamentais acontecem. Com isso, teremos os alicerces para a compreensão da biologia celular.

    Que conselho o senhor daria a países como o Brasil, onde há pouco dinheiro para a ciência?

    Dinheiro não é tudo. Você aprende a criar soluções inteligentes. Às vezes, a necessidade é a mãe da invenção. É um pé no saco trabalhar com pouco dinheiro, mas na minha opinião, a maioria dos acadêmicos é altamente ineficiente com dinheiro.

    O senhor dedicou sua palestra do prêmio Nobel a todos que "arriscaram tudo o que tinham, mas fracassaram".

    É muito amargo encarar o fracasso. Mas no final você percebe que os acertos que vieram depois foram bastante inspirados pelo que você aprendeu com seus erros.

    DÉBORA ANDRADE fez o 3º Programa de Treinamento em Jornalismo de Ciência e Saúde da Folha, patrocinado pela Pfizer

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