• Ciência

    Tuesday, 23-Apr-2024 07:44:37 -03

    Biólogos e veterinários brigam por direito de anestesiar animais silvestres

    FERNANDA ATHAS
    DE SÃO PAULO

    13/11/2015 17h10 - Atualizado às 16h25

    Orlandeli
    Impasse sobre anestesia de animais silvestres gera briga judicial entre conselhos federais das profissões

    Na selva, disputa por território é lei. Mas, na cidade, o clima pegou.

    Biólogos e veterinários -ou melhor, seus conselhos- travam um embate de deixar a bicharada de orelha em pé.

    Biólogos querem autonomia para anestesiar, fazer eutanásia e aplicar analgésicos em animais silvestres durante pesquisas de campo. Veterinários lutam pela exclusividade desses atos.

    A briga começou em 2012, quando o conselho de biologia criou a resolução 301/2012, que autoriza seus profissionais a usarem fármacos em animais silvestres para fins de pesquisa sem suporte veterinário.

    O conselho de veterinária reagiu, pedindo à justiça federal que a resolução fosse anulada, mas tiveram o pedido indeferido. "Recorremos e estamos aguardando há três anos", diz Felipe Wouk, do Conselho Federal de Medicina Veterinária.

    A lei que regulamenta a profissão dos veterinários, de 1968, restringe a eles todos os procedimentos que envolvam a clínica de animais.

    "Anestesia faz parte da clínica. Essa resolução do conselho de biologia não pode ter validade legal. Do ponto de vista ético e moral é inaceitável. São vidas, não números. Eles [biólogos] acham que são abençoados por Deus e que nada de mal pode acontecer?" questiona Wouk.

    Os biólogos têm uma visão diferente das coisas.

    "Ninguém quer fazer clínica. O que queremos é fazer o que sempre fizemos: anestesia de animais para coleta de amostras, como sangue por exemplo, sacrificar o animal para uma coleção biológica ou apenas colocar um rádio-colar para estudos ecológicos. Procedimentos simples", defende Luiz Eloy Pereira, porta-voz do Conselho Federal de Biologia.

    "Os veterinários tem profundo conhecimento sobre animais domésticos, mas nós sempre tivemos a formação voltada para a fauna silvestre. A procura dos veterinários por essa área é recente", diz Pereira.

    Para ele, exigir a contratação de veterinários para acompanhar projetos e estudos acadêmicos sempre que houver necessidade de manipulação de animais sedados e anestesiados é inviabilizar inúmeras pesquisas no país.

    "Em 49 anos de profissão, nunca vi veterinário no campo ter estrutura para atender efeitos adversos. Você precisaria montar um laboratório no meio do mato, o que é inviável. Então, no fim das contas, isso tudo é desculpa para boi dormir. O que existe mesmo é uma tentativa de reserva de mercado", afirma Pereira.

    EXTINÇÃO

    Carlos Jared, biólogo do Instituto Butantan, também não vê necessidade de acompanhamento de veterinários.

    "Se for trabalhar com espécies em extinção, anestesiar e soltar depois, claro que precisa de um veterinário. Agora, com espécies que têm uma superpopulação de bichos, você vai ter que levá-lo?", questiona Jared.

    Em tese, apenas veterinários poderiam adquirir anestésicos animais. Na prática, porém, o comércio de tais substâncias ocorre sem grande controle no país.

    "Qualquer outro profissional que administre esses fármacos em diferentes espécies de animais não está preparado para eventuais complicações, e é o animal quem sofre com isso", discorda Wouk.

    No momento da captura no campo, pouco se sabe sobre a saúde do animal. Peso, idade, intolerâncias farmacológicas, se o bicho está ou não hidratado, prenhe ou lactante só são averiguados depois.

    "Quando se anestesia um animal, você tem a vida dele nas mãos, ele está totalmente dependente de você", diz a veterinária Thamy Moreira, que acompanha trabalhos de conservação no Pantanal com diferentes espécies.

    A veterinária diz que desde a contenção química, passando pela coleta de amostras até o retorno anestésico, o animal tem seus parâmetros fisiológicos monitorados. Para o retorno do animal, é escolhido um local seguro.

    A engenheira florestal Patrícia Médici lidera há 20 anos a Iniciativa Nacional para Conservação da Anta Brasileira e conta com a presença de veterinários em tempo integral na sua equipe.

    "Sou absolutamente contra um não veterinário fazer qualquer tipo de manipulação química com um animal, acho uma extrema irresponsabilidade. E se alguém resolver fazer o trabalho sozinho e cometer uma série de erros?"

    No entanto, apesar da briga, há biólogos que consideram "imprudente" realizar anestesias sem a presença de um veterinário, como a especialista em grandes araras Neiva Guedes, coordenadora do projeto Arara Azul.

    "Não é minha área de formação. Quando preciso, levo veterinários comigo, e é uma relação perfeitamente tranquila", afirma ela.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024