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    Espermatozoide leva informação sobre peso do pai para o filho

    REINALDO JOSÉ LOPES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    04/12/2015 02h00

    A obesidade talvez seja, em parte, um problema sexualmente transmissível -não entre parceiros sexuais, mas de pai para filho, sugerem intrigantes alterações moleculares encontradas nos espermatozoides de homens que estão acima do peso.

    Essas mudanças, identificadas por cientistas dinamarqueses e suecos, não têm a ver com uma tendência genética dos pais a serem gordinhos e, portanto, a gerarem filhos também mais gordos. São, na verdade, modificações na maneira de "ler" o DNA que estão ligadas ao estilo de vida da pessoa e que, mesmo assim, têm chance de ser legadas às gerações seguintes.

    Os resultados, por ora, vêm de um grupo pequeno de homens (16 obesos e 10 com peso normal), e os pesquisadores não avaliaram se as alterações nos espermatozoides de fato têm um impacto no desenvolvimento de crianças.

    Mas as mudanças são sugestivas porque parecem afetar o funcionamento do sistema nervoso, em especial os sinais que o cérebro usa para controlar o apetite.

    Liderada por Romain Barrès, da Universidade de Copenhague, o estudo foi publicado na revista "Cell Metabolism".

    A VINGANÇA DE LAMARCK

    À primeira vista, a ideia de que modificações biológicas que ocorrem ao longo da vida dos pais podem ser transmitidas aos filhos parece uma heresia digna de Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829), o naturalista francês que empresta seu nome ao lamarckismo.

    Uma forma simples de enunciar o conceito usa as girafas como exemplo. Acreditava-se (erroneamente) que os bichos ganharam pescoços tão compridos porque seus ancestrais se esforçavam para alcançar as folhas em galhos altos das árvores, de forma que, geração a geração, teriam se tornado cada vez mais pescoçudos.

    Hoje, sabe-se que a maioria das alterações transmitidas de pais para filhos dependem de mudanças no DNA. Mas nem sempre -Lamarck tem sido parcialmente reabilitado pelo estudo do epigenoma, uma área cada vez mais intrigante da biologia moderna.

    "Epi" significa "por cima", e as alterações epigenéticas são justamente isso: mudanças que ficam "em cima" do DNA. Uma das mais comuns é a chamada metilação.

    Nesse fenômeno, um grupo metil (formado por um átomo de carbono e três átomos de hidrogênio) se liga a um trecho de DNA, como uma espécie de botão de desligar. Com isso, determinado gene fica silenciado, isto é, não é usado pelo organismo como receita para a produção de proteínas.

    Isso ajuda, por exemplo, a regular a formação de diferentes tipos de células e a determinar a influência de genes vindos do pai e da mãe de cada pessoa.

    Normalmente, quando o espermatozoide se encontra com o óvulo e gera um embrião, os padrões de metilação são quase "zerados" -mas nem sempre, o que tem impacto no desenvolvimento. Esses padrões podem ser influenciados por coisas tão diferentes quanto estilo de vida, alimentação e estresse.

    MUDANÇAS

    Ao examinar os espermatozoides dos dois grupos, a equipe identificou diferenças significativas nos padrões de metilação e em outros mecanismos epigenéticos. As mudanças se concentravam em genes que têm um papel no desenvolvimento do sistema nervoso -muitos envolvidos no controle de apetite e peso.

    A equipe resolveu tentar entender até que ponto essas mudanças podiam ser alteradas por intervenções no organismo das pessoas e compararam os detalhes epigenéticos de homens que tinham obesidade mórbida antes e depois de eles passarem por redução de estômago.

    Resultado: depois da cirurgia e da perda de peso, as marcações epigenéticas ficaram parecidas com as dos homens de peso normal.

    "Quando uma mulher está grávida ou tentando engravidar, todo mundo sabe que ela precisa se cuidar -não beber, ficar longe de poluentes etc. Se as implicações do nosso estudo forem verdadeiras, esse tipo de recomendação deverá valer para os futuros pais também", disse Barrès.

    Para o pesquisador, a explicação do fenômeno seria evolutiva. A abundância de comida sempre foi exceção ao longo da história humana e fazia mais sentido que o organismo estocasse reservas de energia na forma de gordura.

    Um pai que transmitisse sua tendência ao excesso de peso para os filhos estaria facilitando a vida dos rebentos quando eles precisassem estocar reservas energéticas também.

    GORDURA E ESPERMATOZOIDE
    Obesidade influencia padrão de ativação dos genes no esperma

    COMO FOI O ESTUDO

    Voluntários
    Pesquisadores compararam o DNA dos espermatozoides de dois grupos de homens, um formado por obesos, outro por voluntários com peso normal

    Marcas no DNA
    A comparação não envolveu os genes propriamente ditos, mas pequenas marcações neles -as chamadas marcações epigenéticas- que indicam se certos genes serão "silenciados" (desativados), por exemplo

    Resultado
    As marcações epigenéticas são diferentes nos dois grupos. Áreas afetadas envolvem genes ligados ao funcionamento do sistema nervoso, e possivelmente à regulação de apetite

    Bariátrica
    Um teste parecido foi feito com homens obesos antes e depois da cirurgia de redução de estômago. De novo, houve uma diferença significativa no padrão de marcações epigenéticas

    A INCÓGNITA
    Os pesquisadores não sabem até que ponto isso poderia influenciar tendências à obesidade em filhos desses homens. Sabe-se, porém, que marcações epigenéticas frequentemente são passadas de pais para filhos

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