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    Belo Monte sem barragem é um absurdo, diz presidente da Fapesp

    RICARDO MIOTO
    EDITOR-ADJUNTO DE "COTIDIANO"
    GABRIEL ALVES
    DE SÃO PAULO

    18/12/2015 02h00

    Gabriela Di Bella/Folhapress
    SAO PAULO, SP, BRASIL, 16-12-2015, 16h00: Entrevista com José Goldemberg presidente da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Ele, entre outras medidas, gostaria que uma parte do caixa da Fapesp fosse para pesquisas direcionadas para projetos de interesse do Estado e do país. (Foto: Gabriela Di Bella/Folhapress, CIENCIA)
    José Goldemberg, presidente da Fapesp, durante entrevista

    A usina de Belo Monte foi um erro, na opinião do físico José Goldemberg, presidente da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Ele culpa o movimento ambientalista pelo "absurdo completo" de não haver uma grande barragem por lá.

    Ele critica a política energética do governo federal, que seria "estatizante", fruto de uma mentalidade "nacionalista", "dos anos 1950". Para o ex-reitor da USP, a incompetência, mais do que a corrupção, caracteriza a atual presidência.

    Veja abaixo a entrevista que ele concedeu à Folha.

    *

    Folha - O senhor propôs, no fim dos anos 1980, que as universidades públicas paulistas tivessem um teto de 75% nos gastos do pessoal. Isso não foi adiante, e hoje a USP gasta mais de 100% do seu orçamento com salários.
    José Goldemberg - Foi um dos piores erros que cometi. A versão inicial da legislação que concedeu uma cota fixa do ICMS para as universidades, elaborada pelos reitores das universidades públicas estaduais -eu era reitor da USP-, tinha essa condição.

    Mas foi retirado ainda no âmbito dos três reitores?
    Não, foi a assessoria do governador. Mas eu me penitencio, porque não percebi claramente a importância disso. Ainda assim, tudo funcionou bem por mais de 20 anos.

    Imagino que o senhor se refira à gestão João Grandino Rodas na reitoria, que comprometeu o orçamento da universidade com folha de pagamento. Gostaria de saber a opinião do senhor sobre ela.
    Esse assunto está muito vivo ainda. Mas não vou me recusar a responder. Uma interpretação é que havia uma tentativa de permitir a reeleição para reitor. Teria de mudar o estatuto da USP. O objetivo seria fazer um movimento para se manter no poder de alguma forma.
    Outra interpretação, mais benigna, é que havia um fundo de reserva muito grande. Você pode questionar se é razoável ter um fundo grande assim. A solução adotada foi aumentar os salários.

    Mas gastar o dinheiro do fundo com custeio, e não com investimento?
    Pois é, acho que não havia ideias claras sobre a questão da mistura entre custeio e investimento.

    No caso da primeira hipótese, é tão bom assim ser reitor? Quer dizer, por que tanto esforço para se manter no poder?
    A grande maioria dos professores da USP tem o sonho de ser reitor. É uma função de muito prestigio intelectual. E é uma posição difícil de conseguir, embora isso tenha mudado em alguns lugares -há universidades onde o reitor acaba escolhido pelo voto dos funcionários, como a federal do Rio de Janeiro.

    E que deu no que deu...
    Que deu no que deu. As pessoas querem ser reitoras também porque o cargo tem visibilidade na mídia, então o reitor acaba sendo forte candidato a outros postos na administração pública. Eu sou exemplo disso [entre outros cargos, foi ministro da Educação após ser reitor].

    Quando reitor, como era a relação do senhor com o sindicato da universidade?
    O Sintusp já era forte. Eles eram problemáticos, como são até hoje. Pioraram um pouco. Eles eram atuantes e agressivos, mas nunca chegou ao nível que chegou depois. Quando eu era reitor, a reitoria nunca foi invadida [risos].

    Que conselho o senhor daria ao reitor [Marco Antonio] Zago?
    Ele está tentando resolver o problema fundamental: cerca de 100% do orçamento está comprometido com pessoal. Se não resolver isso, não há o que fazer. Ele tem sido corajoso. Mas é muito difícil.

    A USP e outras universidades conseguiram aumentar muito a produção em termos quantitativos, mas não em termos qualitativos. Qual o nó aí?
    Acho que as pessoas acabaram ficando confortáveis. Os salários são razoavelmente elevados para a situação brasileira, mas são iguais, tabelados. Você precisaria de algum mecanismo como o das universidades americanas, em que você não trata todo mundo igual.

    Queria ouvir um pouco o senhor sobre os rumos da política energética nacional.
    Houve uma visão dos anos 1950 da Presidência. É uma ideia nacionalista, de que o sistema tem de ser estatal, de que as empresas estavam ganhando muito dinheiro. É uma visão ao estilo PC do B.
    Em uma ocasião eu encontrei o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, o [Márcio] Zimmermann. Eu disse a ele: você imagina você estar dirigindo as Lojas Americanas e alguém vir falar: "Olha, a partir de amanhã tem de baixar o preço 20%", como eles fizeram com o setor elétrico. Não existe isso.

    Parece que existia uma mágoa com empresas do setor elétrico, mesmo de distribuição, como a Eletropaulo, que estariam distribuindo dividendos demais
    Era uma visão de que há qualquer coisa sórdida em ganhar dinheiro, de que o capitalismo é uma coisa ruim.
    Tem um pouco do voluntarismo da Dilma, que me parece ignorância mesmo, uma visão meio stalinista das coisas. É atrasado.
    Bom, e agora? Uma coisa importante, além do aumento da eficiência enérgica, é que o programa hidrelétrico não pode ser abandonado. Precisa recuperá-lo. O governo não teve coragem alguma em enfrentar os ambientalistas e explicar para eles que, se você constrói uma usina hidrelétrica sem reservatório, você está a transformando em uma usina intermitente. O reservatório é essencial.

    Ou seja, o senhor é contra o modelo de fio d'água, sem barragem, como em Belo Monte.
    É um absurdo completo, um contrassenso. Para isso a Marina Silva contribuiu, então a culpa não é só do governo É o movimento ambientalista O governo deveria ter enfrentado claramente. Deveriam ter dito: é verdade, vamos afetar 50 mil pessoas aqui em Belo Monte. Só que vamos beneficiar 5 milhões de pessoas, gente que mora nas favelas do Rio de Janeiro.
    E as empresas de energia aproveitaram isso para não ter de gastar mudando o pessoal de lugar. Belo Monte foi um erro, deveriam ter feito um grande reservatório.

    A questão é que a geografia da Amazônia não ajuda, as áreas alagadas ficam muito grandes.
    É verdade. Mas a Amazônia é muito grande

    E quanto a outras formas de energia, como solar ou eólica?
    Convém não exagerar. O vento vai bem no Nordeste, a capacidade instalada é alta. Mas não venta o tempo inteiro, é intermitente... A melhor forma de gerar energia ainda é em usinas hidrelétricas.
    Quando à energia nuclear, vou contar uma história pouco conhecida. Depois do fim da ditadura, encontrei o general Costa Cavalcanti, que tinha presidido Itaipu e sido ministro de Minas e Energia.
    Ele disse: "Professor, foi até bom encontrar o senhor porque há uma coisa que o senhor não sabe. Em torno de 1975, o governo discutiu a possibilidade de abandonar Itaipu e, em vez disso, fazer oito usinas nucleares". Imagine, ainda bem que não aconteceu.

    Quais os desafios que o senhor enxerga na Fapesp?
    Atualmente, a maior parte do dinheiro financia projetos que os pesquisadores propõem espontaneamente. Mas estão crescendo os programas mais direcionados. Não no estilo soviético, claro, mas mais orientados. Temos programas específicos para bioenergia, cérebro, políticas públicas.

    Se o senhor estivesse na pós hoje, que área da ciência escolheria para a sua carreira?
    Genética. É uma grande fronteira. O cérebro humano também é uma fronteira muito interessante.

    Qual a opinião do senhor sobre o impeachment?
    O problema é que na Constituição brasileira não há impeachment para incompetência. O que posso dizer é que acho que a continuidade da Dilma no poder presta um desserviço ao país. A corrupção nem me impressiona muito, porque ela é meio endêmica. O problema é a incompetência.

    *

    RAIO-X
    JOSÉ GOLDEMBERG, 87

    Formação
    Graduação (1950) e doutorado em física (1954) pela USP
    Tornou-se livre-docente pela instituição em 1955

    Trajetória
    Presidente da SBPC (1979 - 1981)
    Reitor da USP (1986 - 1990)
    Ministro da Educação (1991-1992)
    Secretário do Meio Ambiente do Brasil (1992) e de São Paulo (2002-2006)
    Presidente da Fapesp desde agosto de 2015

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