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    Cientistas manipulam formigas ao injetar substâncias em seus cérebros

    FERNANDA ATHAS
    DE SÃO PAULO

    01/01/2016 02h00

    Bob Peterson
    Formigas-carpinteiras, semelhantes às usadas por cientistas em experimentos feitos com epigenética
    Formigas-carpinteiras, semelhantes às usadas por cientistas em experimentos feitos com epigenética

    Não dá pra culpar só os genes pelo comportamento de insetos sociais. Um novo estudo científico reprogramou, sem alterar as letras do DNA, os papéis sociais das formigas com aplicação de substâncias em seus cérebros.

    O estudo, liderado pela cientista Shelley Berger, da Universidade da Pensilvânia, nos EUA, é um dos destaques da edição desta sexta (1º) da revista científica "Science".

    O experimento permitiu aos pesquisadores entender o motivo de formigas da mesma espécie (e com os mesmos genes) se dividirem em castas de características distintas: operárias (menores e inférteis) e guardiãs (maiores e mais fortes).

    Para os cientistas, a resposta está na epigenética, ou seja, em moléculas que interferem na expressão de genes do DNA. Quando os genes não são expressos, a informação não é transmitida -e o comportamento não existe.

    Editoria de arte/Folhapress

    "Os marcadores epigenéticos são moléculas que se ligam ao DNA, ativando ou silenciando genes. Na maioria das vezes, essas 'marcas' não passam de uma geração para a outra, sendo apagadas e reestabelecidas de outra maneira nos indivíduos da próxima geração", explica Bruno Pascoalino, pesquisador do Laboratório Nacional de Biociências do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, em Campinas.

    Operárias passam boa parte da vida em busca de comida. Já as guardiãs não gastam energia com essa atividade até chegarem a uma idade avançada. Elas se concentram em patrulhar e fazer o reconhecimento e a "segurança" dos membros da colônia, enquanto as operárias estocam os alimentos.

    O experimento identificou substâncias que podem ativar os genes ligados a esses comportamentos tanto em guardiãs quanto em operárias a fim de alterá-los. Deu certo.

    "Nosso resultado mais interessante foi conseguir manter, de modo estável, a mudança de comportamento por 50 dias, com apenas uma dose da droga", afirma Daniel Simola, um dos pesquisadores da equipe.
    Insetos sociais, como cupins, abelhas e formigas, se organizam em castas de acordo com a fertilidade e a divisão de tarefas para a manutenção das colônias. As atividades envolvem busca de alimentos e cooperação de indivíduos inférteis na criação dos insetos jovens.

    Nessas sociedades, ao menos duas gerações se sobrepõem -filhos chegam a auxiliar os pais nas tarefas. É consenso entre cientistas que essa organização é crucial para o sucesso ecológico e evolutivo desses insetos.

    A decodificação do DNA é o que permite a expressão de certos genes e não de outros nas formigas e está ligada à morfologia e ao comportamento delas.

    As guardiãs, mais lentas, cuidam e reconhecem membros da colônia, enquanto as operárias trazem alimentos.

    PRÓXIMOS PASSOS

    "Todas essas investigações vão ter impacto no potencial da manipulação epigenética do comportamento humano", afirma Simola.

    O grupo se dedica à pesquisa básica em epigenética utilizando formigas como modelo há uma década. A equipe ainda afirma que a pesquisa deve gerar frutos.

    "Existem várias direções futuras que decorrem deste trabalho. Nós queremos determinar se outros comportamentos nas formigas são igualmente alteráveis com manipulação epigenética, incluindo reprodução -alterar formigas operárias para colocarem ovos, como a rainha", diz Simola.

    "Uma das mais antigas e centrais questões em biologia é: qual é a contribuição daquilo que é inato versus as experiências e interferências externas em um organismo? Nosso estudo foca nessa questão no contexto do comportamento animal, especificamente, comportamento social. O principal objetivo foi elucidar a importância dessa modulação [epigenética] sobre o que é inato na regulação de comportamentos sociais em formigas", conclui.

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