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    Em tom heroico, livro de Nicolelis aborda criação de instituto no RN

    MARCELO LEITE
    DE SÃO PAULO

    22/02/2016 02h00

    Não faltam relatos de heroísmo no primeiro volume da Biblioteca Miguel Nicolelis, "Made in Macaíba - A História da Criação de uma Utopia Científico-Social no Ex-Império dos Tapuias", que a editora Planeta lança nesta segunda-feira (22).

    A coleção será dedicada à obra do neurocientista. O próprio assina o volume inaugural (não fica claro se os demais serão também seus). Trata-se de uma narrativa dos 13 anos em que ele e seu "exército de Brancaleone" lutaram para pôr de pé o IINN-ELS (Instituto Internacional de Neurociência de Natal Edmond e Lily Safra).

    Há de tudo no livro. Bravos tapuias resistem ao invasor português, que tenta rechaçar o usurpador holandês. Aviadores americanos usam a base aérea de Natal para livrar o mundo dos fascistas. Até as plantas do semiárido resistem à inclemência do clima e desabrocham em flor.

    Tudo transcorre como se a periférica Macaíba, a 25 km da capital potiguar, fosse a sede secreta da resistência ao vira-latismo nacional. Destaca-se um baobá que poderia ter inspirado Antoine de Saint-Exupéry, de "O Pequeno Príncipe", e hoje decora a entrada do Campus do Cérebro do IINN-ELS.

    O neurocientista estabelece uma conexão misteriosa com o Rio Grande do Norte. Mas as razões para Nicolelis fixar-se em Natal e ali materializar a "utopia científico-social" –e não noutro lugar– seguem obscuras na obra.

    PERIPÉCIAS

    São várias as peripécias do enredo. A mais humorística opõe um Nicolelis jocoso e desafiador ao bispo de Raleigh, maior autoridade católica da Carolina do Norte (EUA). "Neste momento o senhor está me pondo na companhia de Galileu Galilei", relata ter dito Nicolelis.

    Qualquer leitor curioso pagaria para ouvir a fita do encontro, se houver uma, em que o bispo tenta fazer o pesquisador assinar a renúncia da Pontifícia Academia de Ciências. A mando da Inquisição, nada mais.

    O diálogo oculta um viés trágico –denuncia o episódio como parte de conspiração de invejosos para puni-lo pela ousadia de fundar o IINN-ELS e por suas convicções políticas. Notório lulista, Nicolelis obteve da União, em 2007, R$ 42 milhões para erguer o Campus do Cérebro.

    "[A] única hipótese que me escapou foi que opositores do IINN-ELS tivessem tido a ousadia de cooptar um membro central de nosso projeto, sem que ninguém desse conta", relata. "Mas como sempre diz a professora Dora Montenegro, a diretora das nossas escolas no Rio Grande do Norte, a vaidade é a maior corruptora dos homens."

    Nicolelis se queixa ao bispo, poucas páginas antes, por seu delator ao Vaticano esconder-se no anonimato. Já no trecho em que expõe sua teoria da conspiração, omite o nome do "membro central" do projeto IINN-ELS.

    É Sidarta Ribeiro, primeiro diretor científico do instituto, que o abandonou em 2011 rumo ao Instituto do Cérebro da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte). Foi "a crise mais séria da curta história do IINN-ELS", qualifica Nicolelis. O desenlace ocupa uma página e meia das 320 da obra. Outras 19 são do último capítulo, "Um chute brasileiro para toda a humanidade".

    Made In Macaíba
    Miguel Nicolelis e Marina Filizola
    l
    Comprar

    Começa narrando como o autor recebeu a notícia de que seu mentor, César Timo-Iaria, sofria da doença degenerativa esclerose lateral amiotrófica. A cena compungente prepara o tema da interface cérebro-máquina cuja viabilidade Nicolelis escolheu demonstrar na abertura da Copa do Mundo do Brasil. O resultado todos conhecem, mas é instrutivo, para aquilatar a obra do cientista no Brasil, compará-lo com o que vai relatado em seu livro.

    MADE IN MACAÍBA
    AUTOR Miguel Nicolelis
    Editora Planeta
    Quanto Não divulgado (320 págs.)
    Avaliação Regular

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    MASSA CINZENTA DE CONCRETO

    Entenda o que é o Campus do Cérebro

    O QUE É O Campus do Cérebro é um projeto idealizado pelo neurocientista Miguel Nicolelis. Orçado em quase R$ 250 milhões, inclui um centro de pesquisa em neurociência, uma escola, um centro de saúde e atividades de divulgação astronômica em Macaíba (RN)

    LINHA DO TEMPO

    1995 Sidarta Ribeiro, Cláudio Mello e Sergio Neuenschwander começam o movimento para repatriar neurocientistas brasileiros e criar polo de neurociência no Rio Grande do Norte

    2003 Parceria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Nicolelis para criar o Instituto Internacional de Neurociências de Natal

    2004 Inserção da Finep e concessão, pela UFRN, do terreno em Macaíba (RN)

    2006 Assinatura do contrato de gestão do projeto

    2009 Licitação para a construção

    Fevereiro de 2011 Nicolelis anuncia seus planos de expandir o IINN e criar o megaprojeto do Campus do Cérebro, com centro de pesquisa, escola e unidade de saúde

    Fim de 2011 Professores da UFRN envolvidos no IINN abandonam o projeto para fundar outro instituto. A justificativa:Nicolelis não permitia acesso a equipamentos

    Julho de 2014 Novo contrato de gestão é firmado. MEC omite, no diário oficial, o valor do projeto: R$ 247 milhões

    Dezembro 2014 Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) questiona MEC por investir tanto dinheiro no projeto

    Maio de 2015 Relatório do TCU aponta irregularidades no projeto no Rio Grande do Norte

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