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    Linguista estuda por que civilizações antigas não reconheciam a cor azul

    DA BBC BRASIL

    23/02/2016 17h43

    Em sua investigação sobre como a linguagem afeta a maneira como vemos o mundo, o linguista Guy Deutscher dedicou-se a um tema específico: a ausência de referências à cor azul nos textos de diversas civilizações antigas.

    O primeiro intelectual a notar essa curiosidade foi o britânico William Ewart Gladstone (1809-1898), que não apenas foi quatro vezes primeiro-ministro como também um apaixonado pela obra do poeta Homero.

    Apesar das maravilhosas descrições feitas por ele nos relatos, A Ilíada e A Odisseia, que incluíam frases como "a aurora com seus dedos rosados", em nenhum momento o autor pintava algo de celeste, índigo ou anil.

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    O mar cor de vinho foi parar na memória coletiva graças a Homero

    Gladstone repassou todo os dois textos, prestando atenção às cores mencionadas. Descobriu que, enquanto o branco era mencionado cem vezes e o preto, quase 200, as outras cores não tinham tanto destaque. O vermelho era citado menos de 15 vezes e o verde e o amarelo, menos de dez.

    Ele leu, então, outros escritos gregos e confirmou que o azul nunca aparecia. Concluiu que a civilização grega não tinha à época um senso de cor desenvolvido e vivia em um mundo preto e branco, com algumas pinceladas de vermelho e de brilhos metálicos.

    "Eles entendiam o azul com a mente, mas não com a alma", afirma o pesquisador.

    EM PARTE ALGUMA

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    Como descrever esta cena sem usar a palavra 'azul'?

    A pesquisa de Gladstone inspirou o filósofo e linguista alemão Lazarus Geiger, que se perguntou se o fenômeno se repetia em outras culturas.

    Ele descobriu que sim: no Alcorão, em antigas histórias chinesas, em versões antigas da Bíblia em hebraico, nas sagas islandesas e até nas escrituras hindus, as Vedas.

    "Esses hinos de mais de dez mil linhas estão cheios de descrições do céu. Quase nenhum tema é tratado com tanta frequência. O sol e o início da madrugada, o dia e a noite, as nuvens e os relâmpagos, o ar e o éter, tudo isso é contado", afirma Geiger.

    "Mas uma coisa que ninguém poderia sabia por meio dessas canções é que o céu é azul."

    Geiger também notou que houve uma sequência comum para o surgimento da descrição de cores nas línguas antigas. Primeiro, aparecem as palavras para preto e branco ou escuro e claro - do dia e da noite -; logo, vem o vermelho - do sangue -; depois, é a vez do amarelo e do verde e, só ao final, surge o azul.

    Mas por que o azul não apareceu antes?

    "E por que deveria?", questiona o psicólogo Jules Davidoff, diretor do Centro para Cognição, Computação e Cultura da Universidade de Londres. "Por que precisariam do azul para descrever algo? Quem disse que o mar e o céu são azuis? Por acaso, eles têm a mesma cor?"

    COGNIÇÃO

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    Além de não ser um objeto, o mar não é sempre azul, apesar de ser tradicionalmente representado assim

    Davidoff dedica-se à neuropsicologia cognitiva e a investigar a forma como reconhecemos objetos, cores e nomes. Ele fez experimentos com uma tribo da Namíbia, na África, cuja linguagem não tem uma palavra para o azul, mas possui várias para diferentes tipos de verde.

    Quando mostrou a integrantes da tribo 11 quadrados verdes e um azul, não puderam achar qual era diferente, mas, se em vez de azul, o quadrado fosse de um tom de verde levemente diferente e dificilmente notado pela maioria das pessoas, era destacado imediatamente.

    Na verdade, poucas coisas na natureza são azuis: uma ou outra flor de orquídea, as asas de algumas borboleta, as plumas de certas aves, a safira e a pedra luz.

    No entanto, Homero estava na Grécia, um lugar que para muitos é mercado pelo azul do céu e do mar. Como podiam ignorar essa cor?

    Em seus estudos, Deutscher recorreu à filha, Alma, que estava aprendendo a falar na época. Como qualquer outro pai, ele brincava com ela e a ensinava o nome de diferentes cores.

    Teve, então, uma ideia para verificar o quão natural é o azul na linguagem e entender como as civilizações antigas, especialmente as que viviam no Mar Mediterrâneo, não deram um nome para a cor do céu.

    Ele ensinou a Alma todas as cores, inclusive azul, mas fez com que ninguém lhe dissesse de que cor era o céu. "Quando tive certeza de que sabia usar a palavra 'azul' para os objetos, sai com elas em dias de céu azul e perguntei qual era sua cor."

    Por muito tempo, Alma não respondeu. "Ela respondia imediatamente a tudo mais, mas, com o céu, olhava e parecia não entender do que eu estava falando", conta Deutscher.

    "Certa vez, quando já estava muito segura e confortável com todas as cores, ela me respondeu, dizendo primeiro 'branco'. Foi só depois de muito tempo e após ver cartões-postais em que o céu aparecia azul que usou essa cor para descrevê-lo."

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    Para a filha do pesquisador, o céu era branco

    NECESSIDADE

    Foi assim que sua filha ensinou a ele que nada é tão óbvio quanto pensamos. "Entendi com meu coração, observando uma pessoa, não lendo livros ou pensando em povos de um passado remoto", afirma o pesquisador.

    "E Alma nem sequer estava na mesma situação dos povos antigos: ela conhecia a palavra azul e, no entanto, não a usou para o céu. Compreendi que não é uma necessidade de primeira ordem dar um nome para a cor do céu. Não se trata de um objeto."

    O mesmo ocorre com o mar: assim como o céu, não tem sempre a mesma cor e, acima de tudo, não é um objeto, por isso não há motivo para "pintá-lo" com uma palavra.

    "Nada mudou em nossa visão. Há séculos, somos capazes de ver diferentes tons, mas não temos as mesmas necessidades", afirma o especialista. "Era perfeitamente normal dizer que o mar era preto, porque, quando está azul escuro, parece preto, e isso é suficiente nesta época. Uma sociedade funciona bem com o preto, o branco e um pouco de vermelho."

    Então, por que começamos a dizer que determinadas coisas são azuis?

    "Conforme as sociedades avançam tecnologicamente, mais se desenvolve a gama de nomes para cores. Com uma maior capacidade de manipulá-las e com a disponibilidade de novos pigmentos, surge a necessidade de uma terminologia mais refinada", afirma Deutscher.

    "A cor azul é a última, porque, além de não ser encontrada tão comumente na natureza, levou muito tempo para fazer este pigmento."

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    Egípcios tinham um termo para a cor azul por conta da sofisticação tecnológica de sua sociedade

    Os egípcios antigos tinham o pigmento azul e uma palavra para nomeá-lo, por exemplo, pois se tratava de uma "sociedade sofisticada".

    "O que importa não é tanto a época em que viveram, mas seu nível de progresso tecnológico. É aí que está a correlação com o volume do vocabulário para cores."

    Mas não há no hebraico bíblico a palavra "kajol", que significa azul?

    "Sim, mas essa palavra significava 'preto'. Tem a mesma raiz da palavra álcool, e o 'kohol' era um cosmético em pó feito com antimônio que as mulheres usavam para pintar os olhos e era preto."

    Pouco a pouco, o termo foi mudando até assumir o significado que tem hoje no hebraico moderno. E este não é único caso, segundo o especialista.

    "O mesmo aconteceu com a palavra 'kuanos' em grego. Homero a usa, mas significa preto ou escuro. Foi só depois que passou a significar 'azul'."

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