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    'Vovô jacaré' de 250 milhões de anos do RS pode dar pistas sobre evolução

    GIULIANA MIRANDA
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    12/03/2016 01h59

    Voltaire Neto/Editoria de Arte/Folhapress
    Concepção artística de como teria sido o 'vovô' dos jacarés e crocodilos modernos

    Há 252 milhões de anos, a Terra começava a se recuperar de uma extinção em massa que aniquilou 90% das espécies do planeta, bem antes daquela que acabou com os dinossauros. Nessa época, na região onde hoje está o Rio Grande do Sul, um réptil que lembra um jacaré testemunhava a recuperação da biodiversidade e ajudaria a constituir a fauna existente hoje.

    Essa espécie acaba de ser identificada por cientistas e pode dar pistas sobre o processo evolutivo que levou ao surgimento dos dinossauros e até de alguns bichos atuais, como jacarés e aves. Batizado de Teyujagua paradoxa –uma referência a um réptil feroz da mitologia guarani–, esse gaúcho pré-histórico, nascido quase 20 milhões de anos antes dos primeiros dinossauros, media cerca de 1,5 m de comprimento e, ao que tudo indica, era carnívoro.

    INTERMEDIÁRIO

    O que mais chamou a atenção dos pesquisadores, no entanto, foi a anatomia do bicho: com características intermediárias entre répteis mais primitivos e os chamados arcossauriformes. Apesar do nome meio esquisito e pouco conhecido, os arcossauriformes têm uma importância enorme. Foi esse o grupo de vertebrados que deu origem aos dinossauros, às aves e aos crocodilos. Esses animais compartilham uma série de características anatômicas que incluem dentes serrilhados (que estavam presentes nas aves primitivas, mas foram perdidos nas espécies atuais) e crânio com aberturas na região do focinho e da mandíbula.

    "O que torna o teyujagua bem especial é o contexto em que ele vivia. A Terra havia sido devastada pela extinção permiana. O bicho novo é parte do primeiro pulso de recuperação da diversidade da vida após esse evento", explica o paleontólogo Felipe Pinheiro, professor da Unipampa (Universidade Federal do Pampa) e autor principal do trabalho, publicado nesta semana na revista especializada "Scientific Reports", do grupo Nature.

    O cientista explica que, embora a extinção dos dinossauros –provocada pelo impacto de um asteroide 65,5 milhões de anos atrás– seja o evento mais "famoso", a extinção permiana, ocorrida há 252 milhões anos, teve proporções muito maiores. Foram os animais que vieram depois desse período, como o teyujagua e seus parentes, que começaram a repovoar o planeta e a constituir a fauna atual. Por isso, a descoberta dessa espécie é tão relevante.

    O novo bicho preenche principalmente uma lacuna morfológica, mostrando como a forma característica do crânio dos arcossauriformes evoluiu, ajudando a montar o complicado quebra-cabeças que é a compreensão da evolução dos bichos da pré-história até os dias atuais.

    Além da importância evolutiva, chama a atenção no fóssil gaúcho o bom estado de conservação. O grupo descreveu a espécie a partir de um crânio inteiro muito bem preservado. A maioria dos fósseis desse período não são completos, sendo a maioria composta apenas de fragmentos.

    De acordo com o paleontólogo Felipe Pinheiro, o holótipo –exemplar de referência da espécie– do Teyujagua paradoxo já é considerado o mais completo do Triássico Inferior (entre 252 e 247 milhões de anos atrás) da América do Sul. "Animais desta idade tão completos e bem preservados como esse só são encontrados em alguns lugares bem específicos da África do Sul e China", afirma.

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    Vovô jacaré

    Local onde viveu o jacaré

    RAIO-X

    Nome
    Teyujagua paradoxa

    Idade
    252 milhões de anos

    Importância
    Ajuda a explicar como foi a evolução inicial do grupo de animais que originou os dinossauros, pterossauros, jacarés e aves

    Características
    Seus dentes curvados, agudos e serrilhados indicam alimentação carnívora. As narinas eram localizadas na parte de cima do focinho, o que é característico de animais aquáticos ou semiaquáticos, como os jacarés atuais

    Comprimento
    Cerca de 1,5 m

    LINHA DO TEMPO

    Jackson Anderson
    fósseis do crânio foram achados em bom estado

    252 milhões de anos atrás
    Grande extinção permo-triássica: erupções vulcânicas gigantescas na região da Rússia provocam a maior extinção da história da Terra, com quase 90% das espécies dizimadas

    251 milhões de anos atrás
    Registros do Teyujagua paradoxa, um animal com características intermediária entre os animais anteriores mais primitivos e os arcossauriformes, que viriam a dominar o planeta no futuro

    231 milhões de anos atrás
    Primeiros dinossauros surgem na Terra. Rapidamente há uma diversificação de espécies

    220 milhões de anos atrás
    Crocodilomorfos mais primitivos surgem no fim do Triássico, mas eram bem diferentes dos atuais

    190 milhões de anos atrás
    Crocodilomorfos um pouco mais "modernos", mas ainda com características bem distintas

    65,5 milhões de anos atrás
    Extinção dos dinossauros: provável impacto de asteróide provoca uma nova onda de extinções e acaba com 75% das espécies

    60 milhões de anos atrás
    Gêneros muito parecidos com os crocodilomorfos atuais começam a povoar o planeta

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