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    Ocupação da América é mais antiga do que se pensava, dizem arqueólogos

    RICARDO BONALUME NETO
    DE SÃO PAULO

    16/05/2016 02h00

    Aconteceu há 14.550 anos. Um mastodonte morreu e foi descarnado e devorado por antigos índios na região onde hoje fica a Flórida, estado americano no sudeste do país.

    Não se sabe se esse extinto "elefante peludo" foi caçado e morto pelos índios ou se morreu por outro motivo, mas fato é que sua carne com certeza serviu para várias refeições humanas pré-históricas. Um bicho desses pesava várias toneladas. Era carne para não acabar mais.

    O que se sabe agora, graças a uma nova escavação arqueológica, é que esse episódio comprova uma ocupação do continente americano centenas de anos mais antiga do que costumava ser o consenso.

    A descoberta dá ainda pistas sobre rotas de migrações humanas e sobre a extinção da "megafauna", grandes animais como mastodontes, camelos e bisões que eram uma excelente fonte de comida para os antigos índios americanos.

    O sítio arqueológico Page-Ladson, no noroeste da Flórida, já tinha sido pesquisado antes, nas décadas de 1980 e 1990. Foram achados ossos de animais, incluindo uma presa de mastodonte, e prováveis ferramentas de pedra. Mas a ligação dos achados com a possibilidade de isso indicar uma atividade humana foi colocada em dúvida.

    Um Mastodonte na Flórida

    Essa descrença vinha em parte da forte tradição de achar que a Cultura Clóvis, obra indígerna de cerca de 13.000 anos, era a mais antiga ocupação das Américas. Mas foram identificados nos últimos anos vários outros sítios com ocupação mais antiga, como as cavernas Paisley, no estado de Oregon, ou Monte Verde, no sul do Chile.

    Uma dificuldade é que o sítio da Flórida está debaixo d'água, em um poço no leito do rio Aucilla. Mas isso também se revelou uma vantagem para os pesquisadores. Logo se viu que os sedimentos no rio não tinham sido perturbados ao longo de milhares de anos. As camadas estavam perfeitas para serem achadas e analisadas.

    Por isso foi possível produzir datações precisas dos ossos e restos de plantas e vincular isso a objetos de pedra achados no mesmo local. Um "machado de mão" biface tipicamente usado para descarnar ossos foi encontrado debaixo d'água.

    Um dos pioneiros do estudo prévio de Page-Ladson voltou ao local junto com outros pesquisadores em 2012. James Dunbar, hoje funcionário do Instituto de Pesquisa Aucilla, é um dos autores do artigo científico publicado na última edição da revista científica "Science Advances". Os líderes do estudo são Michael Waters, da Universidade Texas A&M, e Jessi Halligan, da Universidade do Estado da Flórida.

    "A idade da ocupação inicial de Page-Ladson é quase idêntica à da ocupação mais tardia em Monte Verde, cerca de 14.600 anos atrás. Isso indica que as duas América foram ocupadas ao mesmo tempo por caçadores-coletores bem sucedidos há cerca de 14.600 anos. Isto também nos diz que deve ter havido presença humana antes disso. O quão mais cedo ainda precisa ser determinado", declarou Waters à Folha.

    No artigo, os pesquisadores lembram que estudos genéticos do DNA de índios atuais e de seus ancestrais mostram que a ocupação das Américas é certamente anterior à Cultura Clóvis.

    Para Waters, os dados genéticos indicam que não poderia haver uma migração asiática para as Américas antes de 23.000 anos atrás. Se houve, essa população provavelmente era pequena e não deixou traços no
    material genético dos índios de hoje.

    O que faz mais sentido é uma migração entre 18.000 a 16.000 anos atrás, quando uma rota migratória pela costa do oceano Pacífico estaria viável. Isso tem tudo a ver com as eras glaciais. O problema sempre foi a
    possibilidade das rotas estarem bloqueadas por geleiras, ou, ao contrário, de o mar congelado permitir a existência de uma ponte entre Ásia e América.

    "Eu acho que Page-Ladson indiretamente sugere que os seres humanos chegaram às Américas de barco", afirma Waters. Isso porque há 14.000 anos o corredor terrestre estava bloqueado por gelo.

    "Estou certo de que barcos foram usados para explorar as costas do Pacífico e do Golfo do México e que a utilização de embarcações seria muito eficiente para explorar a área, com pessoas se deslocando mais
    rapidamente do que se estivessem em terra", diz o professor da Texas A&M.

    Outro resultado da pesquisa foi mostrar que a hipótese de uma rápida mortandade dos grandes animais era equivocada. A hipótese fala em uma "guerra relâmpago" contra os mastodontes e outros grandes bichos, que
    logo seriam exterminados.

    Mas a análise de fungos tipicamente encontrados em fezes animais do gênero Sporormiella indica que a megafauna coexistiu com os seres humanos por pelo menos dois mil anos, extinguindo-se apenas 12.600 anos atrás.

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