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    Há 20 anos, nascia a ovelha Dolly, primeiro mamífero clonado

    LYGIA DA VEIGA PEREIRA
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    05/07/2016 16h07

    Murdo McLeod
    A ovelha Dolly, primeiro clone obtido a partir de célula de um animal adulto

    Em 5 de julho de 1996, nascia a ovelha Dolly, o primeiro mamífero gerado por clonagem, técnica que cria uma cópia genética de um indivíduo. Imediatamente pseudo-cientistas declararam sua intenção de fazer clones humanos, despertando no imaginário pesadelos de exércitos clonados ou milagres como a ressurreição de pessoas queridas, iniciando a polêmica: "clonar ou não clonar, eis a questão".

    Nestes 20 anos aprendemos muito com clones de ratos, vacas, cavalos, gatos e cachorros, entre outros, sobre a ineficiência e a insegurança da clonagem como forma de reprodução, e hoje ninguém ousa defender publicamente seu uso em seres humanos.

    Mas Dolly foi sim um marco na história da ciência, um daqueles raros e fascinantes momentos onde um paradigma é quebrado. Até então acreditava-se que a identidade de uma célula (músculo, neurônio, sangue, etc) era algo imutável. Ou seja, que uma célula de sangue, por exemplo, só sabia ser célula de sangue, apesar de ter em seu núcleo um genoma completo, contendo toda a informação para ser qualquer tipo de célula.

    A ovelha Dolly, porém, foi criada a partir de uma célula de mama (e daí seu nome, uma homenagem à cantora peituda Dolly Parton), que quando colocada dentro de um óvulo, foi reprogramada e passou a se comportar como uma célula embrionária, dando origem à ovelha clonada.

    Dessa forma, ela foi a demonstração da capacidade de uma célula ser reprogramada, de acessar toda a informação genética em seu núcleo dando origem a outros tipos de células, e até a um indivíduo completo.

    Esta descoberta criou novas perspectivas de desenvolvimento de terapias baseadas na reprogramação celular para a geração de tecidos para transplantes.

    Assim, desde 1997, a comunidade científica defende sim um tipo de clonagem humana, aquela para fins terapêuticos. A clonagem terapêutica visa reprogramar uma célula adulta para que ela seja capaz de se transformar em qualquer tipo de célula.

    Para isso, são produzidos embriões clonados e deles são retiradas as células-tronco embrionárias. A partir destas células, podemos no laboratório gerar tecidos para o tratamento de diferentes doenças, desde diabetes e doenças cardíacas até lesão de medula. Porém, a técnica é complexa, depende da doação de óvulos, e por isso ninguém conseguia fazê-la funcionar em humanos...

    Dez anos depois da Dolly, e inspirados pela ovelha, um grupo japonês trouxe uma nova revolução à biologia: a capacidade de reprogramarmos uma célula sem necessitar de óvulos. Eles descobriram que ativando somente quatro genes em seu núcleo, uma célula de pele regredia até o estágio de célula-tronco embrionária.

    A técnica é tão simples que milhares de laboratórios no mundo todo, inclusive no Brasil, a adotaram imediatamente, passando a gerar essas chamadas células-tronco induzidas, versáteis como as embrionárias.

    Além da possibilidade de uso das células-tronco induzidas em terapias, com elas podemos entender melhor diferentes doenças que tenham um componente genético. Por exemplo, ao produzir essas células a partir de pacientes com esquizofrenia, podemos agora gerar neurônios "esquizofrênicos" no laboratório, e neles entender como a doença se desenvolve.

    A mesma estratégia vem sendo utilizada para desvendarmos os mistérios da doença de Alzheimer, autismo, Parkinson, esclerose lateral amiotrófica, e dezenas de outras doenças ainda sem cura.

    As células-tronco induzidas transformaram a maneira de fazermos pesquisa biomédica, fornecendo um instrumento poderoso para reproduzirmos doenças no laboratório, e assim podermos estudá-las melhor. Isso por sua vez, vem acelerando o desenvolvimento de novas terapias. E pensar que tudo começou com uma ovelha...

    Dolly comemorou seu aniversário de 20 anos empalhada no Royal Museum de Edinburgo. Que ela seja um monumento à curiosidade, à persistência e ao desenvolvimento científico ousado, mas responsável, voltado à melhoria da qualidade de vida humana.

    Linha do tempo: O despertar do genoma

    LYGIA DA VEIGA PEREIRA, professora titular da USP, chefe do Laboratório Nacional de Células-tronco Embrionárias e autora dos livros "Células-tronco: promessas e realidades" e "Sequenciaram o genoma humano... E agora?" (ed. Moderna).

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