• Ciência

    Thursday, 02-May-2024 14:54:49 -03

    Nada de Dory: peixes têm memória boa e até diferenciam estilos musicais

    REINALDO JOSÉ LOPES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    10/07/2016 02h00

    Divulgação
    Trecho da animação Procurando Dory, que conta a saga de uma desmemoriada peixinha
    Trecho da animação Procurando Dory, que conta a saga de uma desmemoriada peixinha

    Era uma vez um trio de carpas ornamentais batizadas de Beauty, Oro e Pepi. Por meio de um sistema complicado de recompensas alimentares, pesquisadores da Universidade Harvard ensinaram os três peixes a diferenciar entre gravações dos concertos para oboé do compositor barroco alemão Bach e o blues do americano John Lee Hooker.

    Improvável? Pois as carpas foram além e aprenderam a generalizar seu conhecimento musical para o nível dos gêneros –passaram a reconhecer que tanto Muddy Waters quanto Koko Taylor faziam blues, enquanto Beethoven e Schubert eram compositores clássicos. (Coincidência ou não, outros experimentos feitos com carpas mostraram que elas crescem mais rápido quando são expostas a música, independentemente do gênero.)

    Relatos como esses deveriam levar o Homo sapiens a repensar sua usual condescendência em relação aos peixes, argumenta o etólogo (especialista em comportamento animal) Jonathan Balcombe em seu novo livro, "What a Fish Knows: The Inner Lives of Our Underwater Cousins" ("O que um Peixe Sabe: A Vida Interior de Nossos Primos Subaquáticos").

    Para Balcombe, que nasceu no Reino Unido e hoje trabalha no Instituto de Ciência e Políticas Públicas da Humane Society, nos EUA, o "preconceito antipeixe", em especial a ideia de que eles são intrinsecamente primitivos por nunca terem colonizado a terra firme (ao contrário dos demais vertebrados), impediu cientistas e leigos de ver como esses animais podem ser complexos, inteligentes e até emotivos.

    Meu nome não é Dory

    O argumento evolutivo usado por Balcombe é bastante sólido: embora o padrão anatômico básico de certos tipos de peixes, como o dos tubarões, realmente não tenha mudado muito ao longo de dezenas de milhões de anos, a evolução nunca fica totalmente parada. O planeta está sempre mudando e isto força os peixes a se adaptarem continuamente a novas condições ambientais.

    De mais a mais, a diversidade de espécies do grupo (mais de 33 mil, segundo as contagens mais recentes) supera a de todos os demais vertebrados somados, o que significa que não faz o menor sentido considerá-los como um bloco monolítico de seres vivos, todos mais ou menos igualmente "primitivos".

    Por incrível que pareça, ainda há gente que nega que os peixes sejam capazes de sentir dor conscientemente –basicamente porque eles não possuem córtex, a área do cérebro humano considerada a sede da consciência.

    No entanto, evidências experimentais indicam que outras áreas do cérebro deles cumprem funções equivalentes. "Sugerir que os peixes não sentem dor porque não possuem neuroanatomia suficiente para tal é como argumentar que balões não voam porque não possuem asas", resume Lori Marino, bióloga da Universidade Emory.

    Além desse mito do primitivismo, outro fator que atrapalhou a compreensão da verdadeira complexidade deste grupo de animais é a especificidade de seu ambiente e de sua anatomia. É tecnicamente mais difícil fazer observações detalhadas do comportamento deles em seu ambiente natural, é óbvio.

    Peixes também precisam lidar com um ambiente naturalmente "viscoso", quando comparado com o ar à nossa volta, não possuem patas, e muito menos dedos, o que não facilita muito na hora de manipular objetos, por exemplo.

    QUEBRA-CONCHA

    Esse último ponto fez com que, por muito tempo, as pessoas imaginassem que eles eram incapazes de usar instrumentos –até que algumas observações mostraram que peixes do arquipélago de Palau, no Pacífico, usam "bigornas" de pedra como superfície de apoio para quebrar conchas de mariscos.

    A sequência de ações, neste caso, lembra muito a adotada por macacos-pregos brasileiros para quebrar coquinhos (tais macacos, é bom lembrar, estão entre os mais inteligentes do planeta, segundo especialistas).

    Outra marca clássica da flexibilidade mental entre animais, a capacidade de brincar, também tem sido registrada entre eles –exemplares de uma espécie de ciclídeo (parente das tilápias), por exemplo, aprenderam a usar termômetros flutuantes de aquários como "joão-bobo", dando pancadinhas no objeto para que ele caísse e voltasse à posição vertical, aparentemente achando tudo aquilo muito divertido.

    E, por mais que as pessoas justificadamente adorem Dory, a peixinha desmemoriada da Disney, a memória de poucos segundos dos peixes não passa de mito. Experimentos comprovaram que eles são capazes de recordar detalhes de eventos que aconteceram meses ou anos antes.

    WHAT A FISH KNOWS

    Autor
    Jonathan Balcombe

    Editora
    Scientific American/Farrar, Straus and Giroux

    Quanto
    R$ 44,07 (304 págs.)

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024