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    Cientistas descobrem sistema de regeneração de membros

    PHILLIPPE WATANABE
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    17/07/2016 02h00

    Nas histórias do Homem-Aranha, a saga do Lagarto começa com um soldado que perdeu um braço na guerra do Vietnã. Ao voltar para casa, o combatente se torna o Dr. Curt Connors e inicia sua busca para regenerar o membro perdido. O cientista desenvolve, então, um soro a partir do genoma de répteis. O resultado é o Lagarto.

    A descoberta recente de uma rede que controla os genes ligados à recuperação de membros pode ajudar a abrir novos horizontes nessa área de pesquisa. Cientistas da Universidade de Maine (EUA) analisaram o genoma de três animais com grandes capacidades regenerativas. Para desanimar os fãs de histórias de super-heróis, nenhum deles é um réptil.

    No mundo real, anfíbios são conhecidos por grandes capacidades regenerativas. Além deles, a cauda que se solta das lagartixas talvez seja o exemplo mais comum de regeneração que as pessoas conhecem –tirando, claro, personagens famosos de quadrinhos.

    Para não achar apenas características que dizem respeito apenas a uma determinada espécie, os pesquisadores estudaram organismos evolutivamente distantes. O peixe-zebra (Danio rerio), o bichir-cinza (Polypterus senegalus) e o axolote (Ambystoma mexicanum) tiveram um último ancestral em comum há 420 milhões de anos, durante o período paleozoico.

    No peixe-zebra foi analisada a capacidade de regeneração da nadadeira caudal, no bichir-cinza, da peitoral, e no axolote, uma espécie de salamandra, das patas dianteiras.

    Em todas as espécies, foram estudados os fatores que levam à formação de blastemas, estrutura importante na regeneração de membros.

    Homem - salamandra

    Os blastemas selam a área próxima à lesão. Na região em que ocorre esta "cicatrização", as células sofrem um processo de desdiferenciação, ou seja, elas "voltam no tempo" e deixam de ser ter funções específicas de um tecido. São essas mesmas células que, em seguida, começarão a se especializar novamente e formarão o membro regenerado.

    Os pesquisadores conseguiram descobrir uma rede de miRNAs (microRNAs) que regula o processo de regeneração. Estas fitas de RNA servem para silenciar (inativar) a ação de determinados genes.

    "É como se fosse uma impressão digital. Eles são importantes para a manutenção do estado em que as células estão. É importante para a identidade celular", afirma Luciana Vasques, pesquisadora da USP na área de biologia molecular.

    Em resumo, ao descobrir os miRNAs envolvidos na criação dos blastemas, os cientistas conseguiram identificar os genes que provavelmente são responsáveis pelo processo de regenerar um membro.

    Nos três animais, o miR-21 foi o miRNA mais ativo, o que delimitou ainda mais o campo de pesquisa. Esse foi o primeiro estudo comparativo a identificar em três espécies um circuito, conservado durante a evolução, que regula a regeneração de membros.

    "Eles estão vendo que alguns miRNAs são importantes na desdiferenciação e na diferenciação novamente, inclusive regenerando diferentes tecidos, como osso e músculo", comenta Vasques. A descoberta foi divulgada na revista científica "Plos One".

    A utilização de miRNAs para silenciar a expressão de genes (produção de proteínas) pode ajudar também no tratamento de doenças degenerativas. Uma pesquisa focada na doença SCA6 (ataxia espinocerebelar tipo 6) foi divulgada nesta quarta (13) no periódico "Science Translational Medicine".

    Esta condição neurodegenerativa normalmente começa a se manifestar entre 40 e 50 anos de idade. A SCA6 causa perda progressiva da coordenação de caminhada, deficiências no movimento das mãos, dos olhos e dificuldades de fala.

    Como um cavalo de troia, vírus foram usados para levar miRNAs para o interior das células de um rato. O alvo dos pesquisadores da Universidade de Chicago, da Universidade Médica Jichi e da Universidade de Tokyo era um centro ribossômico de controle de tradução, ou seja, um local que controla a produção de proteínas.

    A partir disso, os cientistas conseguiram controlar atividades celulares e proteger os ratinhos da progressão das dificuldades motoras e da degeneração de células cerebrais.

    É a primeira vez que um estudo se utiliza deste centro ribossômico para tratamento de doenças genéticas.

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