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    Vida na Terra se originou 220 milhões de anos antes do que se pensava

    REINALDO JOSÉ LOPES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    01/09/2016 13h58 - Atualizado às 15h09

    Yuri Amelin/Australian National University/Handout/Reuters
    Os pesquisadores Allen Nutman e Vickie Bennet seguram fóssil de 3,7 bilhões de anos
    Os pesquisadores Allen Nutman e Vickie Bennet seguram fóssil de 3,7 bilhões de anos

    Nas águas rasas do oceano primordial que cobria a Terra há 3,7 bilhões de anos, comunidades de micro-organismos já faziam o que alguns de seus parentes modernos continuam fazendo até hoje: construíam estruturas vagamente parecidas com cones ou morrinhos, grudando grãos de sedimento marinho uns nos outros conforme cresciam.

    Essas estruturas, conhecidas como estromatólitos, são os mais antigos fósseis do planeta, argumentam pesquisadores australianos e britânicos em artigo na revista científica "Nature". Embora já houvesse algumas indicações geoquímicas da presença de seres vivos mais ou menos na mesma época, a presença dos estromatólitos em rochas do sudoeste da Groenlândia seria uma evidência bem mais sólida sobre as origens da vida na Terra. As estruturas descritas no novo estudo são cerca de 200 milhões de anos mais velhas que os estromatólitos mais antigos conhecidos até então.

    A equipe liderada por Allen Nutman, da Universidade de Wollongong (Nova Gales do Sul, Austrália), foi bastante sortuda ao identificar as estruturas porque, em rochas tão idosas, sempre há a ação de forças geológicas que modificam profundamente as características do material original. Apesar disso, os pesquisadores conseguiram identificar um trecho das camadas rochosas com a distribuição de camadas típica dos estromatólitos.

    Tais estruturas surgem conforme micróbios que dependem da luz do Sol vão crescendo em camadas, deixando embaixo de si os restos de seus ancestrais e os sedimentos marinhos que capturaram ao se reproduzir (veja infográfico). Com o tempo, formam-se elevações que podem lembrar mesas, cogumelos ou cones.

    Além da estrutura laminar característica, a composição química também sugeriu aos pesquisadores que estavam diante de objetos de origem biológica: os minerais dentro dos estromatólitos tinham uma "receita" diferente da que existia nas camadas de rocha circundantes, o que parece indicar a ação dos micro-organismos interagindo de forma específica com o ambiente marinho. Tais detalhes de composição química também foram essenciais para comprovar que o ambiente original das estruturas era o mar. Rochas vulcânicas achadas nas vizinhanças dos estromatólitos permitiram a datação relativamente precisa do surgimento deles.

    Universidade de Wollonggong/ AFP
    Local onde foi encontrado fóssil mais antigo do mundo
    Local onde foi encontrado fóssil mais antigo do mundo

    IMPLICAÇÕES CÓSMICAS?

    Se a interpretação das descobertas na Groenlândia estiver correta, as implicações podem ser literalmente cósmicas, influenciando o que sabemos sobre as probabilidades de aparecimento da vida em outros lugares do Sistema Solar e do Universo.

    Não por acaso, a "Nature" convidou Abigail Allwood, uma pesquisadora do JPL (Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa), para comentar os achados dos paleontólogos. O JPL é o principal "berço" dos jipes-robôs da Nasa que têm explorado Marte em busca de sinais de vida (no passado remoto ou, com muita sorte, no presente) do planeta vermelho, e uma das grandes discussões levantadas pelas sondas robóticas tem a ver com a janela de oportunidade indispensável para que os seres vivos sejam capazes de evoluir.

    Em Marte, por exemplo, já está claro que havia água no estado líquido na superfície do planeta durante as primeiras centenas de milhões de anos de sua existência. Teria sido suficiente para que micróbios simples surgissem? Ainda não é possível sanar essa dúvida. Mas, se estromatólitos já estavam se formando na Terra há 3,7 bilhões de anos, aumenta a probabilidade de que a resposta seja sim.

    Isso porque, até 4 bilhões de anos atrás, a jovem superfície terrestre estava debaixo de chumbo grosso, sendo bombardeada constantemente por gigantescas sobras rochosas da formação do Sistema Solar. Esse primeiro período da história da Terra foi tão violento que ganhou o apelido de éon Hadeano (nome derivado de Hades, o reino dos mortos na mitologia grega).

    A idade dos estromatólitos groenlandeses sugere que a vida se estabeleceu de modo relativamente rápido em meio aos escombros ainda fumegantes do Hadeano - até porque provavelmente seriam necessárias várias fases intermediárias de evolução de moléculas orgânicas e protocélulas antes que surgissem bactérias capazes de produzir estromatólitos.

    "Se os seres vivos conseguiram cavar espaço para si mesmos num ambiente assim, então a vida não é uma coisa exigente, relutante e improvável. Basta dar meia oportunidade para a vida que ela se vira", escreve Allwood.

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