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    Brasil projeta 'arapuca' para detectar neutrinos

    SALVADOR NOGUEIRA
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    01/10/2016 02h00

    Um grupo de pesquisadores no Brasil está desenvolvendo uma arapuca para detectar neutrinos –e, quem sabe, matéria escura.

    A iniciativa, chamada literalmente Arapuca, é liderada pelo casal Ana Amelia Machado, da Universidade Federal do ABC (SP), e Ettore Segreto, da Unicamp.

    Ele italiano, ela brasileira, os dois estão envolvidos na enorme cooperação internacional liderada pelo Fermilab, em Chicago (EUA), para a construção do Dune –destinado a ser o mais sensível detector de neutrinos do mundo.

    Os neutrinos são as mais intrigantes partículas do chamado Modelo Padrão, o arcabouço teórico que explica hoje todas as forças e componentes conhecidas no Universo, salvo a gravidade.

    Eles têm carga neutra, como o nome sugere, mas são muito pequenos, e por conta disso interagem muito pouco com a matéria convencional. Por isso, eles passaram décadas como predições teóricas, até serem finalmente detectados, em 1956.

    Sabemos hoje que eles existem em três tipos diferentes, chamados de neutrino-elétron, neutrino-muon e neutrino-tau, e que, contrariando as predições teóricas originais, eles têm uma pequena massa.

    Mais intrigante ainda: eles têm a capacidade de "oscilar", ou seja, de se converter de um tipo em outro ao longo do tempo, e os cientistas ainda estão tentando entender como isso funciona.

    "A ciência dos neutrinos ainda é largamente inexplorada", disse Segreto à Folha. "E o Dune deve explorar diversas dessas questões."

    Editoria de arte/Folhapress
    Brasileiros participam de projeto para detectar neutrinos

    EXPERIMENTO

    O Dune (sigla inglesa para Experimento Subterrâneo Profundo de Neutrinos) deve começar a operar por volta de 2023, instalado em Lead, Dakota do Sul.

    Ele tem três objetivos. Um deles é buscar, no estudo das oscilações dos neutrinos, evidências de algo que os físicos chamam de violação de carga-paridade, que por sua vez poderia explicar o Universo ser feito de matéria, e não de antimatéria.

    Outros dois objetivos seriam detectar o decaimento de um próton –algo que não sabemos se de fato ocorre na natureza– e detectar emissões de neutrinos provenientes de supernovas –antes mesmo que elas fossem visíveis no céu.

    O experimento consiste em quatro grandes piscinas subterrâneas, cada uma com cerca de 17 mil toneladas de argônio líquido –que, para se manter nesse estado, precisa ser conservado a -187°C.

    A ideia é bombardear esses tanques com neutrinos produzidos no Fermilab. Eles se propagarão por 1.300 km pelo interior da Terra antes de chegarem aos detectores.

    A cada encontro fortuito de um neutrino com um átomo de argônio, há dois tipos de sinais resultantes –o mais rápido, que é chamado de cintilação e consiste na produção de luz resultante da colisão, e o mais lento, chamado de ionização, que envolve a perturbação de um elétron ligado ao argônio e é detectado por um grade elétrica.

    O sinal luminoso é muito importante, pois indica o momento da colisão. Além disso, ele permitirá detectar neutrinos resultantes do colapso estelar de uma supernova e também indicará se houve decaimento de um próton.

    Já o sinal de ionização tem papel complementar, pois permite reconstruir a trajetória e o tipo da partícula que atingiu o detector.

    O projeto Arapuca –palavra que em tupi-guarani quer dizer armadilha– está voltado para a detecção de cintilação. Ele é, em essência, uma armadilha de luz.

    Originalmente, o Dune deveria funcionar com barras de acrílico alongadas de aproximadamente dois metros de comprimento para fazer essa detecção de luz. Segreto e Machado, contudo, encontraram um desenho alternativo –sua Arapuca seria cerca de dez vezes mais eficiente.

    No começo de setembro, o casal esteve no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas, testando compostos para a Arapuca.

    A equipe corre contra o tempo, porque, embora o Dune só vá entrar em operação a partir de 2023, um protótipo que testará os sistemas para ele –inclusive a Arapuca– deve estar pronto já no fim de 2018. O trabalho é financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

    Os cientistas esperam que a tecnologia desenvolvida para o Dune também possa ser implementada no projeto DarkSide, um detector de matéria escura. Conhecida apenas por seus efeitos gravitacionais, ela segue sendo um grande mistério.

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