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    Redes sociais são essenciais para organização de conflitos entre grupos

    RICARDO BONALUME NETO
    DE SÃO PAULO

    28/10/2016 02h00

    Vicki Burton/Flickr
    Início de ataques depende da presença de líderes específicos e participantes não são necessariamente amigos diretos
    Ataques dependem de líderes específicos e participantes não são necessariamente amigos diretos

    Redes sociais não existem apenas na internet, embora essa seja a moda hoje. Elas existem desde que foram desenvolvidas as sociedades humanas, desde a mais remota pré-história. Um estudo feito durante três anos com um grupo de agropastores nômades africanos mostrou como essas redes são vitais para a formação dos bandos de indivíduos envolvidos em conflitos em pequena escala com grupos vizinhos.

    Entrevistas e análises estatísticas dos membros de um grupo da etnia Nyangatom do leste da África sul do Sudão e Etiópia mostraram como um pequeno grupo de líderes com grande número de amigos facilitou a formação de bandos empenhados em ataques para roubar gado dos vizinhos.

    Violência

    Mais ou menos como uma figura popular em uma rede social como o Facebook angaria seguidores que "curtem" suas mensagens. O líder sugere a incursão, seus amigos o seguem, indicando que as redes sociais têm um papel importante na violência intergrupal em pequena escala.

    "Nós mapeamos a estrutura de rede social de potenciais incursores do sexo masculino. Mostramos que o início de ataques depende da presença de líderes específicos que tendem a participar de muitos ataques, ter mais amigos, e de ocupar posições mais centrais na rede. No entanto, apesar da posição estrutural diferente dos líderes, os participantes das incursões são recrutados em toda a população, e não apenas dos amigos diretos de líderes", diz o artigo publicado na revista científica americana "PNAS"

    "A decisão de um indivíduo de participar em um ataque está fortemente associada à posição de rede social do indivíduo em relação aos outros participantes", escreveram nesse artigo os autores do estudo, liderado por Luke Glowacki, do Instituto de Esutdos Avançados em Toulouse, França, e Nicholas A. Christakis, da University Yale, em New Haven, EUA.

    Para a equipe, o fator motivador mais importante para participar de um ataque não é simplesmente a liderança; é principalmente a amizade.

    Os Nyangatom vivem em uma sociedade sem estado, sem líderes autocráticos ou "exércitos" formais.

    "Os Nyangatom são únicos porque eles são uma sociedade de pequena escala sem líderes formais ou chefes. Porque a violência entre grupos não é institucionalizada através de um corpo militar ou político. eles oferecem uma oportunidade única para estudar a dinâmica social de como esses conflitos são iniciados", afirmou Glowacki à Folha.

    Tanto o tamanho do grupo como os episódios de conflito foram pequenos. Eram 91 homens com idades entre 18 e 45 anos que participaram de 39 incursões.

    Em compensação, são pequenos conflitos, mas na África moderna. No passado os incursores usariam lanças e arcos e flechas; hoje usam fuzis automáticos da onipresente série AK-47 desenvolvidos na antiga União Soviética, milhões dos quais estão disseminados pelo planeta.

    "A maioria dos grupos no leste da África têm acesso a fuzis automáticos desde o final dos anos 1980 e há uma vasta literatura sobre como eles têm afetado a intensidade da violência. Nossa pesquisa não se concentrou sobre as consequências de conflitos, em vez disso queríamos entender como, uma vez que há violência intergrupal, esses conflitos são iniciados", diz Glowacki.

    Em média, cerca de 7 homens participaram em cada ataque no estudo; cerca de 80% dos ataques foram bem sucedidos, resultando em uma captura média de quatro cabeças de gado (incluindo bovinos, caprinos e burros).

    Entre os Nyangatom, para se casar, um homem é obrigado a fornecer à família da noiva cerca de 30 a 60 cabeças de gado, o que tende a incentivar conflitos.

    Estudos sobre a dinâmica da violência baseada em bandos em processos sociais são considerados relevantes para entender atividades violentas espontâneas em ambientes tão diversos como revoluções, gangues e grupos terroristas, afirmam os pesquisadores.

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