• Ciência

    Friday, 03-May-2024 12:06:03 -03

    Falta de recursos essenciais gera violência entre humanos, diz pesquisa

    RICARDO BONALUME NETO
    DE SÃO PAULO

    28/10/2016 02h00

    Arran Bee/Flickr
    A falta de recursos faria o indivíduo examinar os custos e benefícios da agressão
    A falta de recursos faria o indivíduo examinar os custos e benefícios da agressão

    Quando faltam recursos essenciais, seres humanos matam outros seres humanos. Se falta comida em uma tribo, seus guerreiros atacam uma tribo vizinha para conseguir o alimento.

    Isso foi comprovado agora pela análise dos esqueletos de milhares de vítimas na região central da Califórnia, costa oeste dos EUA, durante um período de 1.500 anos.

    O exame dos ossos costuma indicar aos cientistas forenses a causa da morte de uma pessoa, notadamente em casos de violência, em função de danos provocados por instrumentos perfuro-cortantes ou contundentes.

    Se isso vale para um indivíduo, vale ainda mais para 16.820 esqueletos enterrados desde 5.000 anos atrás, examinados em 329 sítios arqueológicos –o total da base de dados coletada nas últimas duas décadas por Al W. Schwitalla, da empresa de consultoria Millennia Archaeological Consulting, de Sacramento, Califórnia.

    Redes Sociais e Violência

    A empresa detém esses dados porque cerca de 80% dos sítios foram escavados desde 1975 por empreiteiras durante construções, demandando uma escavação arqueológica antes que os tratores arrasassem com os achados.

    Usando os dados de Schwitalla, a equipe de Mark W. Allen, da Universidade Politécnica do Estado da Califórnia em Pomona, examinou os padrões de trauma nos esqueletos, e os comparou com momentos históricos distintos: quando havia escassez de alimentos, e quando havia um aumento da organização política, isto é, da formação de cacicados ou protoestados.

    A falta de recursos faria o indivíduo examinar os custos e benefícios da agressão. Já uma estrutura política coercitiva poderia fazê-lo participar de conflitos. As duas hipóteses costumam estar vinculadas ao trabalho de dois famosos filósofos ocidentais.

    Hobbes X Rousseau

    ROUSSEAU OU HOBBES?

    O filósofo franco-suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) acreditava que o homem era essencialmente "bom" quando vivia em "estado de natureza", antes da criação do Estado e da propriedade privada, que estariam na raiz dos conflitos armados.

    Rousseau criticava seu predecessor inglês, Thomas Hobbes (1588-1679), que defendia visão oposta. Para Hobbes, "o homem era o lobo do homem" e, graças ao Estado, a anarquia poderia ser domada.

    Allen e colegas foram atrás dos dados para checar qual visão do mundo seria mais realista. Analisaram esqueletos relacionados aos últimos 1.500 anos da pré-história dos índios da região central da Califórnia, entre 1.530-1230 anos atrás. A amostra de 127 sítios arqueológicos inclui 3.947 enterros de vítimas nas quais se encontrou evidências de traumas contundentes, e 3.939 por traumas penetrantes.

    Os dados foram relacionados com estudos etnográficos sobre a forma de poder político e com estimativas de produtividade ambiental.

    "As descobertas mostram que os indivíduos são propensos à violência em tempos e lugares de escassez de recursos", resumiram os autores em artigo publicado na revista científica "PNAS". E que o uso de força perfurante –pelo uso de lanças e de flechas– esteve intimamente ligado a esse processo.

    "Nós acreditamos que o trauma contundente pode ter diferentes contextos sociais e políticos do que o trauma penetrante. Achamos que era menos letal do que a violência com lanças ou flechas. Cerca de 24% dos traumas contundentes foram antes da morte, enquanto que 94% dos traumas perfurantes eram provavelmente letais", disse Allen à Folha.

    Quem estava certo, Rousseau ou Hobbes? Allen não se compromete em questões filosóficas. "Nosso estudo sugere que a melhor previsão de violência entre sociedades humanas em pequena escala é a escassez de recursos em vez da organização sociopolítica. Isso indicaria que a violência intergrupal pode de fato ter uma longa história."

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024