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    Cientistas planejam 'contra-ataque' acadêmico ao governo Trump

    GABRIEL ALVES
    ENVIADO ESPECIAL A BOSTON (EUA)

    20/02/2017 11h17

    Gabriel Alves/Folhapress
    Cientistas reunidos em sessão de encontro em Boston
    Cientistas reunidos em sessão de encontro em Boston

    Cientistas geralmente não gostam de "contaminar" suas atividades com questões políticas, mas as primeiras ações do 45º presidente americano, o republicano Donald Trump, parecem ter mudado um pouco esse paradigma.

    Andrew Rosenberg, diretor do Centro para Ciência e Democracia da União dos Cientistas Preocupados (UCS, na sigla em inglês), comandou sessão de uma hora na tarde da última sexta (18) no encontro anual da Associação Americana para o Progresso da Ciência (AAAS) para tratar do que os cientistas e quem mais estiver preocupado devem fazer para "Defender a Ciência e a Integridade Científica na Era Trump" (esse era o nome do evento na programação oficial).

    John Holdrem, que foi conselheiro de Barack Obama para questões científicas, disse que a ciência vai sofrer com a nova administração.

    Segundo ele, os cortes de Trump devem atingir os institutos de pesquisa, principalmente aqueles que financiam pesquisa básica –aquela que muitas vezes é motivada pela curiosidade e que não necessariamente tem aplicação em vista, mas que é considerada fundamental para o desenvolvimento tecnológico.

    Para Holdrem, a administração atual não conseguiu entender o benefício mútuo gerado pela cooperação científica entre diferentes países –referindo-se à decisão, suspensa pela Justiça, que impedia pessoas de alguns países de maioria muçulmana entrarem nos EUA.

    Além da indicação de nomes polêmicos para cargos de chefia em institutos científicos (como o de Scott Pruitt para a Agência de Proteção Ambiental), a postura autoritária da nova administração –que enviou uma ordem impedindo que institutos nacionais divulgassem pareceres e recomendações sem o aval da Casa Branca– está entre as razões para fazer o sinal amarelo (e talvez o vermelho) acender na cabeça de alguns acadêmicos e de críticos do novo governo.

    O maior perigo, apontaram os oradores, é o país se tornar refém de propostas de reformas e de regulamentações que não encontram embasamento científico ou que são carentes de evidência de que trarão benefícios –como a intensificação da exploração de combustíveis fósseis e a perda de autonomia dos institutos de pesquisa.

    Para Jane Lubchenco, ex-chefe da Noaa, a agência americana para atmosfera e oceanos (que monitora as mudanças climáticas), essa é uma ótima hora para os cientistas pegaram a agenda e ligaram para os amigos conservadores, para que eles também se mexam. "A ciência não pode ser uma questão partidária".

    Colega de Rosenthal na UCS, Gretchen Goldman, doutora em ciências atmosféricas, afirmou que "o público é o que mais vai sofrer se houver uma normalização dessa politização da ciência". Além das indicações para cargos-chave, ela relata que houve retirada de dados científicos de páginas do governo. "O cientista tem que se levantar e falar o que sabe para impedir que isso aconteça", diz.

    Por outro lado, segundo Jane, argumentos do tipo "confie em mim, eu sou um cientista" não funcionam mais para convencer a população "E também não basta só mostrar os fatos".

    Para Lewis Branscomb, da Universidade da Califórnia, em San Diego, é necessário que o cientista aprenda a se comunicar melhor "e a contar melhor a história de sua pesquisa", para que a população entenda a importância dela –e que não é algo que apenas drena dinheiro dos cofres públicos.

    "O cientista tem que dedicar 10% do seu tempo para atividades diretas com o público e de educação", sugere, "além de continuar fazendo ciência de alto nível".

    Outra coisa que poderia ajudar, diz Jane, é modificar os incentivos para a carreira acadêmica –deixar de avaliar somente a produtividade e dar mais valor ao engajamento em trabalhos comunitários.

    Em 22 de abril, os cientistas-ativistas e simpatizantes planejam uma grande mobilização no evento que ficou conhecido como Marcha pela Ciência, que deve acontecer na capital, Washington, e ter eventos simultâneos em outras cidades do país.

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