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    Promotoria denuncia 11 por suspeita de crimes contra Fundação Butantan

    GABRIEL ALVES
    PHILLIPPE WATANABE
    DE SÃO PAULO

    23/02/2017 14h10 - Atualizado às 20h46

    Folhapress
    Fachada Instituto Butantan
    Fachada do Instituto Butantan

    O Ministério Público de São Paulo denunciou 11 pessoas vinculadas à Fundação Butantan (que administra as finanças do Instituto Butantan) sob suspeita de terem cometido uma série de furtos entre os anos de 2005 e 2008.

    No total, foram constatados 340 furtos totalizando R$ 33,5 milhões. Após a atualização monetária e outras incidências, o valor pode superar os R$ 100 milhões.

    Os denunciados são um gerente administrativo, que comandaria o esquema com a ajuda de uma coordenadora administrativa, um auxiliar de escritório, um técnico de frota e outros particulares aliciados por eles, disse à Folha o promotor de justiça Nathan Glina, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado).

    Segundo a Folha apurou, o ex-gerente administrativo é Adalberto da Silva Bezerra, demitido em 2009 após a constatação das irregularidades.
    Por ter grande confiança da presidência da Fundação Butantan, à época exercida por Isaías Raw, o gerente administrativo teria acesso às senhas de contas bancárias da Fundação e às transações da entidade, que não requeriam nenhum tipo de autorização especial.

    Após a suspeita dos desvios ser constatada, Isaías Raw foi afastado do comando da Fundação em 2009.

    Pesquisadores do Butantan afirmam, sob sigilo, que a gestão de Raw era "caseira" e que Bezerra possuía carta branca para as finanças. Não há indícios, no entanto, que Raw tenha se beneficiado.

    Segundo o promotor, houve até uma sofisticação do esquema: de posse de dados e de documentos falsificados, os denunciados teriam aberto uma conta bancária em nome de uma empresa existente, sem conhecimento de seus sócios, e usado essa conta para receber dinheiro da Fundação e repassá-lo para os integrantes do grupo.

    Depois desse "upgrade" logístico, foram subtraídos de R$ 24 milhões, diz Glina.

    Caso condenado, a pena máxima possível para Bezerra, antes de qualquer tipo de recurso, adiamento ou benefício, seria de 340 anos. Ele pode se beneficiar do que no meio jurídico é conhecido como "continuidade delitiva" –quando a sequência de crimes é composta por delitos com o mesmo modus operandi.

    Ainda deve demorar, no entanto, para que haja alguma conclusão. Segundo Glina, as decisões judiciais desse tipo costumam demorar anos para saírem, ainda mais em casos com muitos réus.

    A notícia da denúncia de Bezerra e ex-colegas soma-se a uma série de outras envolvendo o Butantan. No dia 10 de fevereiro, a Folha revelou que supostas irregularidades estavam sendo investigadas na Fundação Butantan a pedido do governo estadual.

    A investigação se concentra em contratos anteriores ao ano de 2015. O TCE (Tribunal de Contas do Estado) também está analisando as contas do instituto e, segundo o próprio Butantan, houve um sumiço de R$ 8 milhões durante a gestão de Jorge Kalil, entre 2011 e 2015.

    Kalil negou o sumiço e disse que se trata de uma questão de contabilidade e aferição e que toda a documentação está sendo levantada para o TCE. Sob protesto da comunidade científica, ele foi exonerado e será substiuído por Dimas Tadeu Covas.

    Em nota, o Butantan diz que ajudou nas investigações do Ministério Público. "À época, tanto a presidência quanto a superintendência da Fundação Butantan foram afastadas e substituídas."

    Isaías Raw e Adalberto da Silva Bezerra não foram encontrados para comentar as denúncias.

    TURBILHÃO

    A denúncia de Bezerra e outros ex-colegas soma-se a uma série de outras notícias de impacto para o Butantan. No dia 10 de fevereiro, a Folha revelou que supostas irregularidades estavam sendo investigadas no Butantan a pedido do governo estadual. A investigação se concentra em contratos anteriores ao ano de 2015.

    Além das investigações em curso, o instituto passa por mudanças de comando. No início deste mês, André Franco Montoro Filho deixou o cargo de diretor da Fundação Butantan. Em uma carta lida por Montoro Filho, ele cita "impropriedades" ocorridas na gestão do seu antecessor.

    Na prática, é a fundação que administra o instituto, a quem cabe produzir vacinas e desenvolver pesquisas. As críticas de Montoro Filho eram direcionadas a Jorge Kalil, ex-diretor do Instituto Butantan, que, durante um período, acumulou funções no Instituto e na Fundação.

    Após o desgaste sofrido pelo Butantan, nesta segunda (20), o governo Alckmin decidiu afastar Jorge Kalil, que dirigia o instituto desde 2011 e será remanejado para outra função, na qual continuará as pesquisas para desenvolvimento de vacinas.

    Vitor M/Projetor-29.abr.2015/Folhapress
    Jorge Kalil, ex-diretor do Instituto Butantan
    Jorge Kalil, ex-diretor do Instituto Butantan

    Entre as práticas irregulares às quais se referia Montoro Filho, está, como revelou a Folha, a primeira fábrica de derivados de sangue do país, que, após nove anos e R$ 239 milhões gastos, continua fechada. A planta não tem previsão de abertura.

    Segundo o Instituto Butantan, as atividades da fábrica dependem da disponibilização de plasma pela União. Sem isso, o funcionamento fica impossibilitado. O órgão administrativo do Butantan, que comercializa os produtos produzidos, tem um orçamento anual na casa de R$ 1,2 bilhão.

    Contudo, segundo apurou a Folha, o afastamento de Kalil também poderia estar relacionado com uma antiga mágoa envolvendo ele e o secretário da Saúde do Estado de São Paulo, David Uip.

    Segundo médicos ouvidos pela reportagem, a mágoa teria surgido quando Uip era subordinado de Kalil no Incor (Instituto do Coração) do Hospital das Clínicas. O secretário da Saúde teria se ressentido de falta de apoio, por parte de Kalil, para permanecer na entidade.

    Uip também teria se irritado por Kalil não respeitar a hierarquia. O ex-diretor do Instituto Butantan, subordinado ao secretário da Saúde de São Paulo, ligava diretamente para o governador Geraldo Alckmin e para ministros para tratar de assuntos relacionados ao instituto.

    À Folha, Uip negou que a exoneração teve motivos pessoais. Kalil diz que a auditoria, realizada em 2015, teve todas as suspeitas de irregularidades respondidas antes mesmo de elas virem a público.

    O novo diretor do Instituto Butantan será o médico hematologista Dimas Tadeu Covas, que até então estava à frente da Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto.

    Procurado pela reportagem, o Instituto Butantan afirma que auxiliou e continua ajudando o Ministério Público nas investigações de possíveis irregularidades.

    "A nova gestão do Instituto e a própria Secretaria continuarão auxiliando nas investigações, tanto de problemas ocorridos no passado quanto dos de agora, em que uma auditoria encomendada pelo governo do Estado encontrou uma série de irregularidades de gestão na fundação e no instituto, ocorridas entre 2011 e 2015, na gestão de Jorge Kalil, e em que o TCE apontou o sumiço de R$ 8 milhões do Butantan em bens materiais", diz, em nota, o instituto.

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