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    Cientistas iluminam segredo dos cogumelos que brilham no escuro

    RICARDO BONALUME NETO
    DE SÃO PAULO

    26/04/2017 17h49

    Ylem/Wikimedia Commons
    _Panellus Stipticus_ apresenta bioluminescência
    Panellus Stipticus apresenta bioluminescência

    O filósofo grego Aristóteles foi o primeiro a notar fungos emitindo luz. Bem mais de dois mil anos depois, pesquisadores no Brasil, Rússia e Japão demonstraram o mecanismo bioquímico pelo qual todas as espécies de cogumelos produzem luz. A descoberta poderá levar ao desenvolvimento de novas ferramentas para uso em biologia molecular, genética e mesmo clinicamente.

    Termos técnicos como "excitação" e "promiscuidade" ajudam a entender o fenômeno e a nova descoberta.

    Muitos organismos vivos emitem luz, um fenômeno chamado bioluminescência. O mais conhecido popularmente talvez seja o vagalume, mas existem também bactérias, moscas, minhocas e outros animais, terrestres e marinhos, bioluminescentes.

    Por que fungos também fariam isso? Haveria alguma função biológica? "Nós mostramos que a luz varia de acordo com a hora do dia. Mais luz é emitida à noite, o que mostra que o fungo controla sua emissão. Logo, tem uma função biológica", diz o pesquisador brasileiro Cassius Stevani, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, que coordenou a equipe brasileira no novo estudo, publicado na última edição da revista científica americana "Science Advances".

    Além de pesquisadores do Instituto de Química (Erick Bastos e Paolo Di Mascio), a equipe brasileira inclui pessoal da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (Ernani Pinto e Felipe Dörr) e do Instituto Oceanográfico (Anderson de Oliveira), também da USP.

    Em um estudo anterior envolvendo cogumelos de acrílico emitindo luz, os pesquisadores notaram que os cogumelos brilhantes atraíam insetos. Os animais serviriam, portanto, para disseminar os esporos do fungo. "Os cogumelos têm uma função reprodutiva, do mesmo modo como flores coloridas atraem insetos. Existe também um cogumelo cujo odor fétido atrai moscas", afirma o químico Stevani.

    Um dos pontos importantes do novo estudo, que indicaria uma potencial utilidade como ferramenta de laboratório, é a capacidade de "modulação" da bioluminescência, ou seja, a alteração da intensidade e da cor da luz.

    Normalmente os cogumelos emitem uma luz verde, mas existe a possibilidade no futuro de usar essa capacidade para a emissão de outras cores. Fotos de um cogumelo emitindo luz de outras cores foram usadas para ilustrar o artigo, uma forma de "licença poética", segundo Stevani, mas que indica o potencial.

    A bioquímica por trás da bioluminescência é semelhante em vários organismos. "Na maioria dos casos, a emissão de luz resulta da oxidação química de um substrato, denominado luciferina, catalisada por uma enzima, a luciferase. A luciferina reage com o oxigênio molecular, produzindo um intermediário de alta energia cuja decomposição liberta energia suficiente para produzir o emissor oxiluciferina em um estado superior de energia, que ao decair para um estado de menor energia, libera luz", escreveram os pesquisadores.

    Ou seja, a combinação de luciferina, luciferase e oxigênio desencadeia uma reação química que produz uma oxiluciferina mais "excitada", e que libera energia luminosa para se "acalmar" e voltar para seu estado físico-químico de menor energia.

    Existem cerca de 80 espécies diferentes conhecidas de fungos bioluminescentes espalhados pelo globo. A equipe no Brasil é responsável pela descrição de 15 delas e estudou o fungo nativo do Piauí, o Neonothopanus gardneri. "É um fungo que só se encontra na base de palmeiras babaçu e piaçava", diz Stevani.

    Foram os brasileiros que descreveram o fungo e deram seu nome científico em 2011. Já os russos fizeram estudos com o Neonothopanus nambi (cogumelo encontrado nas florestas tropicais do Vietnã). As equipes de pesquisa precisam ser numerosas e multidisciplinares para analisar os vários aspectos das reações químicas; além disso, é necessária uma grande quantidade de material –de organismos– para realizar os estudos.

    Os autores descobriram que a luciferase fúngica é "promíscua" –um termo técnico usado em química–, pois ela aceita vários substratos diferentes, sendo capaz de interagir com múltiplos derivados de luciferina fúngica.

    "Ela é mais versátil", resume o pesquisador do IQ/USP. Ele lembra que apenas três sistemas são usados como base de ferramentas bioluminescentes, desenvolvidos a partir de vagalume, de água-viva e de um pequeno crustáceo.

    Os cogumelos podem servir para a criação de um novo sistema. Mas não são os únicos organismos que a equipe estuda. Um tubarão com ventre bioluminescente, um verme marinho, uma mosca e uma lula gigante estão também na mira dos pesquisadores.

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