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    Leis do Brasil travam desenvolvimento de alternativas aos testes em animais

    GABRIEL ALVES
    ENVIADO ESPECIAL AO RIO

    17/05/2017 02h08

    Alessia Pierdomenico - 7.abr.2002/Reuters
    Rato em laboratório de Roma, Itália
    Rato em laboratório de Roma, Itália

    O Brasil ainda não está pronto para avançar na ideia de substituir o uso de animais pelos chamados métodos alternativos, especialmente os que usam células humanas cultivadas em laboratório, considerados de vanguarda e usados em vários países.

    Essa foi uma das conclusões do 1º Simpósio de Engenharia Tecidual, realizado na última segunda-feira (15), no Rio, e que contou com representantes do governo federal, do setor industrial e da academia. O consenso é que ainda falta segurança jurídica e dinheiro para implementar as técnicas no país.

    Um dos questionamentos vem da Constituição Federal. O parágrafo 4º do artigo 199 diz que é vedado todo tipo de comercialização de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento.

    Após pressão da indústria, porém, a maré começou a mudar e a própria Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) passou a se esforçar para não ter atuação tão distinta de outras agências reguladoras pelo mundo.

    Em outros países é comum que produtos à base de células modificadas sejam comercializados.

    Menos bichos

    Segundo Renata Parca, gerente da área de Sangue, Outros Tecidos, Células e Órgãos da Anvisa, a coisa está mudando ao menos para os produtos com finalidade terapêutica feitos dessa forma. E isso deve ser sacramentado em uma nova regulamentação que deve sair entre 2017 e 2018.

    O problema é que a boa-nova, ao menos por ora, não vale para os métodos alternativos. A nova tecnologia de células modificadas e de engenharias de tecidos não é exclusivamente "terapêutica".

    Hoje existem 24 métodos alternativos aprovados no país (entre eles estão testes de toxicidade, de corrosão, de irritação, de sensibilização e de absorção pela pele), mas eles são pouco usados na prática.

    Para Octavo Presgrave, coordenador do BraCVAM (Centro Brasileiro para Validação de Métodos Alternativos), o que falta para haver segurança jurídica é vontade política de entidades como o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, o Ministério da Saúde e a Anvisa –diretamente afetados pela mudança no paradigma do uso de animais.

    BENEFÍCIOS

    Segundo a pesquisadora e defensora dos direitos dos animais Norma Labarthe, entre as motivações para pesquisadores e indústrias usarem métodos alternativos estão não só a diminuição do sofrimento dos bichos mas também o fato de que há um benefício econômico para quem dança conforme a nova música.

    Isso vale para os pesquisadores, que ao estudarem tópicos "quentes", têm mais chance de ter financiamento, e também para as empresas, que teriam uma imagem mais amigável junto ao público.
    Labarthe, que é veterinária, diz que é preciso criar uma relação de confiança com o público de forma que, quando algo realmente precisar ser testado em animais, ninguém questionará sua necessidade.

    Para Presgrave, boa parte do movimento que empurra o país na direção da mudança dos métodos utilizados é político, e não científico.

    A francesa L'Oréal, que patrocinou o simpósio realizado no Rio (e que afirma não testar seus produtos em animais), vem ao longo dos anos desenvolvendo um modelo de pele artificial. A ideia é comercializar o aparato para outras empresas, mas o imbróglio legislativo brasileiro ainda é uma barreira.

    A empresa está colaborando com o pesquisador Stevens Rehen, do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino, do Rio para fazer uma nova versão da pele. O objetivo é adicionar uma camada de neurônios no modelo, o que pode torná-lo mais apto a prever se um produto tem chance de provocar irritação em humanos.

    Receita básica

    Rehen tem trabalhos na área de organoides cerebrais (veja infográfico), mostrando que essas estruturas podem ajudar a testar novas drogas para doenças neurológicas no lugar de testes em camundongos. Na mesma linha existem modelos baseados em células de fígado (hepatócitos) e do coração (cardiomiócitos), por exemplo.

    O jornalista GABRIEL ALVES viajou a convite da L'Oréal

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